O subestimado papel dos conselhos municipais de políticas públicas

Por Dimas Eduardo Ramalho*

Ao diagnóstico de um grave problema social costuma suceder uma receita política com pretensão de canalizar as demandas coletivas em formato inédito, às vezes travestido de inovação. Que caminhos surgem então para enfrentar a atual quadra de nosso modelo democrático, marcada pela crise de representatividade, ceticismo em relação ao sistema eleitoral e descrença na capacidade e boa fé dos gestores públicos?

Os estudiosos da engenharia institucional podem propor alternativas complexas, envolvendo reformas legais e a criação de novos institutos, voltados à reafirmação dos valores republicanos. Essas novidades, porém, certamente tomariam tempo e energia talvez não disponíveis no contexto destes dias. A inovação é sempre bem-vinda, mas, neste caso, uma colaboração importante pode vir de um mecanismo que emula a forma mais antiga de se exercitar a democracia: os conselhos municipais de políticas públicas.

Consagrados na Constituição Federal de 1988 e em normas específicas, tais conselhos receberam a atribuição de influenciar os rumos das prestações do Estado relativas aos serviços públicos essenciais como saúde, educação e assistência social, além de contribuir com o controle do uso do dinheiro arrecadado com os tributos. Tudo exercido diretamente pelo cidadão ou entidades sociais, sem a necessidade de qualquer intermediário ou representante.

Trata-se de um canal já institucionalizado, pronto para ser ocupado por aqueles que querem contribuir com os rumos de seu município e das questões coletivas. Os admiráveis brasileiros que tomaram as ruas a partir de 2013 para manifestar pacificamente seus descontentamentos e suas distintas posições ideológicas, por exemplo, têm à disposição esse mecanismo situado na intersecção entre Estado e sociedade, que abre espaço para a democracia direta em pleno século 21.

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo considera o papel desses conselhos tão nobre que se dedica a estimular e acompanhar suas atividades permanentemente. Somente em 2016, o TCESP promoveu oito cursos na capital e no interior do Estado para capacitar conselheiros municipais de educação e de saúde. Também foram atualizados guias de orientação do Tribunal de Contas aos membros dos Conselhos Municipais de Saúde e dos Conselhos do FUNDEB, para nivelar o trabalho daqueles que compõem tais colegiados como representantes tanto da sociedade como do Estado.

No eixo da fiscalização, a preocupação se volta à análise financeira, contábil e orçamentária dos conselhos e também à qualidade da participação de seus membros. O funcionamento adequado desse mecanismo constitucional de participação direta da sociedade no controle e na gestão dos recursos estatais depende fundamentalmente de dois pontos relacionados entre si: a forma como os conselhos são compostos e a possibilidade de conduzirem a própria agenda.

É saudável que a pluralidade seja o critério de escolha dos conselheiros, cuja trajetória e afinidade ideológica não podem sempre coincidir com as dos administradores municipais, já que o objetivo é justamente contar com mais uma entidade capaz de aplicar os freios e contrapesos ao poder. Ademais, somente um conselho plural será capaz de debater e deliberar sobre pontos que eventualmente não estejam na agenda estatal.

Ao TCESP, cabe contribuir para o bom funcionamento dos milhares de conselhos municipais já existentes em nosso Estado, além de jogar luz sobre essa ferramenta de controle social muitas vezes subestimada. Trata-se de um canal que, apesar de simples e milenar, acaba abrindo um espaço nobre para aqueles que desejam opinar e participar diretamente das políticas públicas hoje mesmo não integrando as vias convencionais de representação democrática.

*Dimas Eduardo Ramalho é Presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Formado em direito pela Faculdade do Largo São Francisco, foi Deputado Federal por três mandatos e Deputado Estadual por três mandatos.