Orçamente
Valdecir Pascoal
O processo de elaboração e aprovação do orçamento público é relevante indicador da maturidade político-institucional de um país, da qualidade do planejamento governamental e do real compromisso do Estado em cumprir o seu papel constitucional de promover o bem comum.
A grave crise do orçamento federal de 2021 é um termômetro do Brasil. As inconstitucionalidades e ilegalidades atingiram patamares nunca vistos, ainda que se leve em conta o contexto excepcional da pandemia. Não há dissenso entre especialistas e as adjetivações são uníssonas: “inexequível”, “ficção”, “irreal”, “caótico”, “feique”… O texto aprovado – que aguarda sanção – consegue a proeza de quase gabaritar, em matéria de afronta aos princípios que regem a produção dos orçamentos.
O pecado original é a intempestividade de sua aprovação (só em março deste ano), infringindo a regra da anterioridade. Como planejar o passado? (ver meu artigo: “Assim falou o orçamento” – JC de 7/03). Sendo o orçamento um plano, é natural uma margem de imprecisão nas projeções de algumas receitas e despesas discricionárias (não obrigatórias). Desta feita, porém, as incongruências extrapolaram, de muito, o razoável. Exemplos: o Executivo omitiu-se ao não enviar ao Congresso uma retificação para adequar a proposta inicial aos novos parâmetros econômicos, como a correção do valor do salário-mínimo; o Congresso, por sua vez, triplicou o valor das “emendas parlamentares”, cancelando, irregularmente, despesas obrigatórias previdenciárias e benefícios sociais, em montante da ordem de 26 bilhões. São desacertos que contrariam os princípios da universalidade, da transparência e da responsabilidade fiscal. Para evitar o colapso orçamentário, a paralisia dos serviços públicos (shutdown) e, até mesmo, responsabilizações, o Presidente precisa vetar os valores indevidos acrescidos nas emendas e enviar um projeto de créditos adicionais para recompor as dotações das despesas obrigatórias.
Registre-se, ademais, outra falta capital nesse pandemônio orçamentário: a completa desarticulação interna do Executivo (uma “Babel” entre os ministérios) e na sua relação com o Congresso. Numa democracia, não se faz orçamento sem unidade de comando no Executivo e sem capacidade para dialogar com o Parlamento.
PS: Leitura-inspiração: a) o diagnóstico e as sugestões, ainda atuais, do histórico Relatório do ex-Governador Roberto Magalhães, na “CPI do Orçamento” (1994); b) o livro “FACTFULNESS: o hábito libertador de só ter opiniões baseadas em fatos”, de Hans Rosling.
Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE-PE