Em entrevista concedida à Revista do TCE-MT, o presidente da Atricon, conselheiro Valdecir Pascoal, falou das expectativas para o IV Encontro Nacional dos TCs, sobre a atuação da Atricon, os desafios do Controle Externo, as propostas de aperfeiçoamento da composição dos Tribunais de Contas e sobre a criação do Conselho Nacional. Veja a íntegra da entrevista:
ENTREVISTA RTCE-MT
1 – As últimas gestões da Atricon priorizaram uma atuação mais voltada para a defesa institucional e o aperfeiçoamento dos TCs. A atual Diretoria continuará neste caminho?
Valdecir Pascoal — Sem dúvida. Embora os Tribunais de Contas tenham evoluído muito nos últimos anos, como bem demonstra os dados obtidos pelo “Projeto Qualidade e Agilidade do Controle Externo”, executado pela Atricon em 2013, ainda na profícua gestão do Conselheiro Antonio Joaquim, os desafios com vistas a diminuirmos nossas assimetrias e alcançarmos a confiança definitiva da maioria da sociedade ainda estão presentes, de sorte que o foco da Atricon continuará sendo a defesa e o aperfeiçoamento institucional dos Tribunais de Contas e das prerrogativas constitucionais de seus membros, sem prejuízo, claro, de avançarmos em algumas questões de índole mais corporativa. Deste último ponto, fazem parte a luta pela recuperação do poder aquisitivo dos subsídios e a atualização da carteira de serviços oferecidos aos associados, como seguro-saúde e um convênio de descontos em ampla rede de fornecedores de produtos e serviços.
2 – Quais as principais ações planejadas e já desenvolvidas pela Atricon neste ano de 2014?
Valdecir Pascoal — Nosso Planejamento Estratégico, aprovado para cinco anos (2012-2017), é o principal guia de nossa gestão. Fizemos, nas duas primeiras reuniões da Diretoria e do Conselho Deliberativo, ajustes pontuais em alguns objetivos estratégicos, adequando-os aos novos contextos. De outra parte, destacaria a defesa pública e firme da instituição Tribunal de Contas em relação a um relatório genérico e irresponsável elaborado pela ONG Transparência Brasil, que simplesmente ignorou todos os avanços verificados nos Tribunais de Contas brasileiros. Para tanto, contei com o apoio e a ajuda da Direção da Atricon, dos Presidentes dos TCs, dos nossos membros e servidores. Outro ponto que merece ser realçado foi a decisão colegiada de elaborar novas Resoluções da Atricon, tratando de temas prioritários visando conferir mais efetividade à atuação dos TCs. As minutas das Resoluções foram discutidas por diversas comissões temáticas, formadas por dedicados e comprometidos membros e servidores, e coordenadas, com zelo e proficiência, pelo Vice-Presidente da Atricon, Conselheiro Valter Albano, e pelo nosso Diretor, Conselheiro Substituto Jaylson Campello (sem esquecer o apoio fundamental de nossas assessorias técnicas). Essas minutas, amplamente divulgadas e submetidas a emendas e sugestões, serão apreciadas e votadas democraticamente durante o IV Encontro Nacional dos Tribunais de Contas, neste mês de agosto, em Fortaleza. É claro que as Resoluções não obrigam os Tribunais. São recomendações. Porém, tenho a firme convicção de que contaremos com uma grande adesão às suas diretrizes, pois sinto que todos os Tribunais estão sintonizados e procurando atender às novas demandas sociais a partir de medidas que os tornem ainda mais efetivos e úteis à sociedade. Será, sem sombra de dúvidas, um outro marco fundamental no aperfeiçoamento institucional dos Tribunais de Contas brasileiros. Não posso deixar de mencionar, ademais, o papel da Atricon como elemento integrador do sistema de controle externo e construtor de importantes parcerias institucionais. É nosso dever dialogar com todos os Tribunais de Contas. O TCU, por exemplo, está cada vez mais integrado ao sistema, especialmente por meio das auditorias coordenadas com os demais Tribunais e, mais recentemente, com a elaboração conjunta de indicadores de governança pública. Essa aproximação teve início há alguns anos, especialmente na gestão do Ministro Benjamim Zymler, sendo ratificada e aprofundada com o atual Presidente, Ministro Augusto Nardes. Por fim, destacaria a nossa diretriz de aprofundar o diálogo e as parcerias com as nossas entidades co-irmãs — IRB, Abracom, Audicon, Ampcon, Fenastc, Fenacontas, ANTC etc —, bem como com o Legislativo, o Judiciário, o Ministério Público, o Controle Interno, os Conselhos Nacionais, Sebrae, OAB e demais Conselhos Federais, a STN, entidades do terceiro setor e com os meios de comunicação.
3 – Quais os temas prioritários que serão apreciados e transformados em Resoluções da Atricon durante o IV Encontro Nacional dos Trinunais de Contas?
Valdecir Pascoal — A temática central do IV Encontro é “O papel dos Tribunais de Contas frente às demandas sociais”. A escolha desse mote não poderia ter sido mais apropriada, na medida em que a sociedade exige, cada vez mais, do Estado e, por conseguinte, de suas instituições, a máxima qualidade na prestação de serviços. As Resoluções tratarão de ações e procedimentos atinentes às seguintes áreas de atuação: agilidade no julgamento de processos e gerenciamento de prazos; controle concomitante; composição e organização dos TCs; sistemas de Controle Interno dos TCs e dos jurisdicionados; comunicação institucional; gestão de informações estratégicas; Corregedorias; Ouvidorias; controle da ordem cronológica dos pagamentos públicos e controle das licitações e contratos referente às regras do Estatuto das MPE. Aprovadas as Resoluções, respeitadas a autonomia e as peculiaridades de cada Instituição, começaremos um trabalho de sensibilização dos Tribunais com vistas à adoção dos procedimentos decorrentes das diretrizes aprovadas. Estamos certos de que a observância deste núcleo de diretrizes e ações tornará o sistema de controle externo mais harmônico e integrado e, o principal, nossos Tribunais passarão a ser ainda mais efetivos e produzindo respostas concretas aos anseios da sociedade. A propósito, nossa expectativa é que a segunda fase do “Projeto Qualidade e Agilidade”, que será realizada em 2015 — já robustecida, vale dizer, pelos critérios internacionais de avaliação por pares recomendados pela Intosai (SAI-PMF) — já evidencie muitos dos avanços institucionais conquistados a partir da observância das diretrizes previstas em nossas resoluções.
4 – Na pauta do IV Encontro consta ainda uma proposta de minuta de Emenda à Constituição Federal tratando do modelo de composição dos TCs. Sabe-se que existem aqueles que defendem os critérios atuais de indicação e há uma corrente que apoia algumas alterações nos critérios de escolha dos seus membros. Qual a posição da Atricon? Quais as principais mudanças que serão discutidas no IV Encontro?
Valdecir Pascoal — Os atuais critérios e requisitos para o provimento dos cargos de Ministro do TCU e de Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e Municipais são lógicos e bastante razoáveis, como comprovam os enormes avanços institucionais registrados nestes últimos vinte e cinco anos, sob sua vigência. É forçoso reconhecer, no entanto, que essa é uma das pautas da sociedade e nós temos o dever de enfrentá-la e discuti-la com equilíbrio, transparência e de forma democrática. Faço a seguinte ponderação: como corolário das próprias crises contemporâneas do Estado e da democracia representativa (isso ocorre no mundo inteiro, diga-se), os Tribunais de Contas acabam herdando uma mácula de confiança numa proporção que se revela demasiada. Fala-se muito que nossas decisões são “políticas” em razão da maioria de nossos membros serem originários da atividade parlamentar. Decerto que não podemos ignorar que, em alguns casos, tanto o Executivo como o Parlamento, acabam negligenciando nas indicações dos membros dos Tribunais de Contas. Não é de hoje que a Atricon vem se manifestando publicamente pela observância de todos os critérios e requisitos constitucionais para a escolha de Ministros e Conselheiros. Porém, na grande maioria das situações, essa crítica acaba revelando uma visão, de certa forma, deturpada, de quem desconhece a realidade da grande maioria dos Tribunais de Contas brasileiros e, ao mesmo tempo, preconceituosa com a nobre atividade político-parlamentar. O que estará em debate no IV Encontro são ajustes pontuais nos critérios constitucionais de composição, que buscam preservar os avanços do atual modelo e também propiciar maior grau de confiança e reconhecimento social às nossas instituições. Considerando que a natureza da função fiscalizadora e julgadora exercidas pelos Tribunais de Contas é essencialmente técnica, à semelhança daquela exercida pela magistratura, discutiremos se não seria mais razoável que na composição dos Tribunais de Contas houvesse o predomínio de membros oriundos de suas carreiras técnicas (Substitutos, Procuradores de Contas e Fiscais), sem prejuízo de o Parlamento continuar indicando uma parte do colegiado e sabatinando e aprovando todos aqueles que forem indicados. A observância dos critérios da lei ficha limpa para os membros, como um dos indicadores de idoneidade moral e de reputação ilibada, e uma maior valorização dos membros substitutos, conferindo-lhes expressamente os mesmos direitos e prerrogativas de membros assemelhados na magistratura constituem também pautas importantes na discussão.
5 – Os Tribunais de Contas ainda são instituições pouco conhecidas e, muitas vezes, incompreendidas pela sociedade. O que pode ser feito para melhorar a imagem dos TCs?
Valdecir Pascoal — Venho repetindo que os Tribunais de Contas brasileiros são melhores do que aparentam. A maioria do Tribunais investe na formação técnica do seu quadro de servidores (reconhecidamente um dos melhores da administração pública brasileira), em tecnologia da informação, em planejamento estratégico, no aprimoramento das ferramentas de auditoria, buscando padrões internacionais, na criação de ouvidorias e de escolas de contas e, especialmente, na fiscalização concomitante (em tempo real) da gestão. Todos esses avanços, alavancados especialmente após a CF/88 e a LRF, alçaram os Tribunais de Contas a um outro nível de atuação, malgrado a necessidade, como já dissemos, de aprimoramentos. Um dos nossos grandes desafios, portanto, é demonstrar de forma clara e objetiva para o cidadão e os formadores de opinião o nosso papel e todos os nossos avanços. Por exemplo: muitos afirmam que as deliberações dos Tribunais de Contas não têm qualquer consequência para os maus gestores e para os cofres públicos. Ledo engano. Os Tribunais, cada vez mais, atuam preventivamente sobre licitações e contratos. Bilhões de reais são economizados todos os anos a partir da nossa fiscalização cautelar, que determina, de forma cogente, aos gestores públicos, a redução de orçamentos em licitações e de preços contratados que estejam fora dos níveis de mercado. Não fosse essa atuação profilática, os vultosos danos ao erário seriam concretizados, já que a legislação processual não facilita o ressarcimento das perdas já consumadas. Lembro também que recente estudo divulgado pela USP demonstrou que a hipótese da lei da ficha limpa que mais causa a inelegibilidade de gestores é justamente aquela que decorre do julgamento das contas pelos Tribunais de Contas. Na verdade, são muitos os exemplos de nossa efetividade, mas talvez o principal exemplo não esteja sendo bem divulgado ou compreendido. A rigor, nossa maior efetividade reside no exercício cotidiano do poder fiscalizador. É a presença dos técnicos nos órgãos públicos, é a realização de auditorias e inspeções, é o julgamento das contas, é a nossa função pedagógica, os melhores antídotos para se combater a corrupção e inibir desperdícios e ilegalidades na gestão pública. Esse benefício é de difícil mensuração, mas é verdadeiro. Toda essa contextualização é para dizer que é urgente que cada TC brasileiro adote uma política e um plano de comunicação institucional com o objetivo de divulgar suas ações (auditorias, julgamentos…), por meio de TVs, rádios, jornais, revistas e redes sociais. A Atricon, especialmente por meio de sua Rede de Comunicação, apoiará os Tribunais de Contas neste desafio e trabalhará para instituição de um plano nacional de comunicação. A sociedade precisa nos enxergar como instituições a serviço da república, da democracia e dela própria.
6 – Qual a posição da Atricon sobre a criação do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas?
Valdecir Pascoal — A criação de um conselho nacional (CNTC) nos mesmos moldes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para os TCs é fundamental para o nosso aperfeiçoamento. Consta do nosso plano estratégico e é apoiado pela grande maioria dos nossos membros. Ajudará a coibir desvios éticos e exigirá de todo o sistema um padrão de atuação baseado em resultados que impliquem qualidade e agilidade do processo de controle. Existem várias propostas, mas a PEC 28 está mais adiantada e é a que mais se aproxima de um modelo racional de competências e composição. Todavia, desde a gestão passada, a Atricon deliberou no sentido de propor a exclusão dos membros do Ministério Público de Contas da jurisdição do CNTC, considerando que sua vinculação está mais afeta ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Da mesma forma, há quem enxergue na referida PEC, em relação à sua composição, a ausência de membros oriundos da sociedade civil. Decerto que ela prevê indicações do Poder Legislativo, o que já evidencia uma abertura para a sociedade, mas cabe sim uma melhor reflexão de nossa parte sobre essa crítica e, se for o caso, propormos aperfeiçoamentos pontuais em seu texto. Há também aqueles que defendem que os membros dos TCs se subordinem ao CNJ, alguns destes alegando — equivocada e deselegantemente — que a nossa proposta seria um verdadeiro “clube de amigos”. Respeitamos todas as posições, mas essa afirmação não procede. Para ela ser verdadeira, aqueles que a defendem deveriam apontar os próprios CNJ e CNMP como um “clube”, tendo em conta o predomínio de magistrados e membros do MP em suas respectivas composições. E, convenhamos, não é assim que a sociedade avalia as suas atuações. Por outro lado, os membros do CNJ não conhecem a realidade dos Tribunais de Contas, o que dificultaria sua atuação regulatória de procedimentos e metas em relação aos nossos Tribunais.
7 – Alguns TCs ainda não conferem aos seus Membros-Substitutos (Ministro e Conselheiros-Substitutos) e aos membros do Ministério Público Especial junto aos TCs as devidas prerrogativas e condições administrativas para o cumprimento de suas competências constitucionais. O que a Atricon está fazendo para corrigir essas distorções?
Valdecir Pascoal — É objetivo estratégico da Atricon o fortalecimento dos papeis dos Auditores (Ministros e Conselheiros Substitutos) e dos Procuradores de Contas. Representam dois importantes avanços para o sistema controle externo. A Atricon, também não é de hoje, defende a máxima efetividade do modelo constitucional de composição, com a presença de representantes dessas duas carreiras. Estamos abertos para discutir possíveis aperfeiçoamentos constitucionais — como são provas algumas discussões já postas no IV Encontro —, e não mediremos esforços para sensibilizar todos os Tribunais de Contas para a urgente necessidade de conferir-lhes a necessária estrutura administrativa, fundamento basilar para efetivo exercício de suas prerrogativas, notadamente a independência funcional. As próprias atribuições de judicatura dos Auditores (Ministros e Conselheiros Substitutos) estarão em debate no IV Encontro com vistas a garantir-lhes plena efetividade.