Os avanços já conquistados pelos Tribunais de Contas em todo o Brasil e os projetos futuros da Atricon foram alguns dos assuntos abordados em entrevista concedida pelo presidente da Associação, conselheiro Valdecir Pascoal, ao jornal Acontece, do TCE do Espírito Santo.
Confira abaixo a íntegra da entrevista ou faça AQUI o download do Acontece, edição 92.
ENTREVISTA
ACONTECE – Tribunais de Contas não se assemelham a sofisticados escritórios de contabilidade e de direito, já que gastam a maior parte de seu tempo em auditorias cuja ênfase se restringe aos aspectos legais e contábeis?
VALDECIR PASCOAL – Esta é uma visão atrasada do controle, que não condiz com a realidade da esmagadora maioria dos Tribunais e que não leva em consideração o novo alcance da fiscalização estatuído pela Constituição de 1988. Além das chamadas auditorias de conformidade – que focam os aspectos legais, contábeis, orçamentários, patrimoniais e financeiros – os Tribunais de Contas hoje exercem o controle operacional da gestão, por meio do qual averiguam o desempenho dos órgãos e dos programas de governo realizados e os resultados alcançados pela gestão no cumprimento de suas finalidades. Essa forma de atuação afasta-se, pois, da simples verificação da conformidade dos atos, conferindo aos Tribunais de Contas a faculdade de interferir positivamente na execução de políticas públicas que afetam diretamente o dia a dia da população. Não esqueçamos também do aspecto da economicidade da despesa pública, que, de certa forma, está inserido no controle da legalidade.
ACONTECE – Não seria esta postura formalista e passiva, não proativa, mas avessa ao que determina a Constituição Federal quando trata do controle das coisas públicas (que não se limitam somente a tais aspectos)?
VALDECIR PASCOAL – Conforme mencionado anteriormente, a atuação dos Tribunais de Contas sob a nova ótica das auditorias operacionais, sem descuidar dos aspectos da conformidade dos gastos, está em absoluta consonância com os preceitos constitucionais, apontando para o controle voltado ao interesse de toda a sociedade.
ACONTECE – Se parece haver consenso de que os Tribunais de Contas precisam se modernizar para cumprir sua obrigação, por que há visível resistência a isso, qual é, como se revela e de onde provém?
VALDECIR PASCOAL – Mesmo sabendo da necessidade de aprimoramentos contínuos em todas as instituições públicas, há que se reconhecer – e isto é comprovado por meio do diagnóstico feito pela Atricon em 2013 – que os Tribunais de Contas têm avançado muito, especialmente depois da CF de 1988, da LRF e da Lei da Ficha Limpa. O planejamento estratégico, a difusão do modelo de auditorias operacionais, a utilização de estratégias de controle baseadas nos conceitos de inteligência e o uso intensivo de tecnologia da informação e comunicação atestam que os nossos órgãos vêm acompanhando as modernizações qualitativas e quantitativas das organizações, estando muitas vezes à frente das instituições privadas. Se resistências pontuais há, elas não são distintas daquelas experimentadas por todas as instituições desafiadas a se modernizar e a se reinventar. Um exemplo claro do interesse de aprimorar os modelos e os processos de trabalho dos Tribunais de Contas acaba de ser concretizado no âmbito do sistema, com a edição das Resoluções da Atricon sobre temas estratégicos do controle, debatidas mediante processo democrático e participativo que culminou com a sua homologação durante o IV Encontro Nacional das entidades, realizado em agosto.
ACONTECE – Em seus encontros, os Tribunais de Contas externam propósitos que, se efetivamente praticados, poriam o país na vanguarda em controle público. Por que é tão difícil colocá-los em prática?
VALDECIR PASCOAL – Pela crescente modernização do seu modelo de atuação e em função dos consequentes benefícios auferidos pela sociedade, podemos afirmar, sim, que os Tribunais de Contas, em regra, estão pondo em prática novas modelos de trabalho, focados em resultados. Avanços sempre serão necessários, pela natural evolução do quadro social e político do país.
ACONTECE – Uns mais outros menos, há Tribunais de Contas que já investem nas auditorias operacionais. Não lhe parece acomodação a postura de não ir às escolas, aos postos de saúde, aos pontos e terminais de ônibus, às delegacias, aos presídios e às rodovias para ver se os impostos estão dando os resultados que a sociedade merece?
VALDECIR PASCOAL – Acho forte a palavra acomodação. Muitos Tribunais já atuam dessa forma. No contexto do controle, é preciso compreender o papel das diversas instituições envolvidas, para assegurar a natural e desejável segregação de funções no âmbito da gestão pública. Ao gestor, cabe a execução das atividades inerentes à execução das políticas públicas e às rotinas administrativas. Ao controle interno, a verificação contínua dos atos praticados pelos gestores, com vistas a corrigir, na origem, eventuais desvios, que devem ser devidamente notificados ao controle externo. Por último, cabe a este, respeitando o poder discricionário da administração, realizar a fiscalização dos atos de gestão. E aqui eu destaco a importância do controle preventivo (de acompanhamento). Neste acompanhamento pari passu da gestão, que tem gerado economia efetiva de bilhões de reais ao erário, são verificados aspectos de conformidade e operacionais. Neste sentido, vejo como positiva a visita de técnicos e julgadores aos locais onde a política pública é realizada. Isso pode trazer resultados importantes imediatos, além de ajudar na formação de um juízo de valor mais real dos desafios do cotidiano da implementação das ações de governo.
ACONTECE – Quais são a seu ver as demandas sociais prementes e qual deveria ser a postura dos Tribunais de Contas diante delas (realçando-se, se houver, casos de Cortes cujo propósito inclua tais demandas)?
VALDECIR PASCOAL – As demandas em temas onde a oferta dos serviços públicos recebe o maior número de críticas da sociedade, como educação, saúde, segurança e mobilidade são as campeãs de audiência. Os Tribunais de Contas já consideram essas demandas nas suas programações de auditorias. Em Pernambuco, por exemplo, na área de educação existe um proficiente trabalho sendo executado em relação à merenda e ao transporte escolar. Isso se repete Brasil afora. Destaco também as recentes auditorias coordenadas, realizadas em conjunto pelo TCU e Tribunais de Contas estaduais e municipais, com o apoio da Atricon e do IRB, no ensino médio nacional. Foi o maior diagnóstico dessa importante área estratégica para o desenvolvimento do país já realizado. Está em curso a auditoria coordenada na área de saúde.
ACONTECE – Os Tribunais já externaram preocupação com a preservação do planeta e, como “instituições preventivas por excelência”, se propuseram a cuidar da “adequada formulação e execução de políticas governamentais relativas à gestão pública ecologicamente sustentável e para implantação da Economia Verde, por meio do controle contábil, orçamentário, financeiro e ambiental das contas públicas” (Carta de Manaus, 2010). De lá para cá, o que fizeram e ou em que estão contribuindo os Tribunais para a preservação do planeta e da vida?
VALDECIR PASCOAL – As ações relativas a uma gestão amiga do ambiente inclui preocupações relacionadas com a administração dos insumos das atividades administrativas dos próprios tribunais e também com o controle dos órgão jurisdicionados, sob esse mesmo enfoque ou relativas aos impactos gerados pelas atividades que exercem, direta ou indiretamente. Hoje, grande parte dos tribunais, incluindo o TCE-PE, desenvolvem programas internos voltados ao aprimoramento da gestão ambiental relacionada com as atividades administrativas das suas unidades operacionais. Por outro lado, no campo das auditorias ambientais, destaca-se a atuação do TCU, que desenvolve atuação específica nessa área há pelo menos 10 (dez) anos. Não esqueçamos, ademais, da atuação pioneira do TCE do Amazonas. De qualquer maneira, é forçoso reconhecer que podemos avançar mais neste tema, porquanto as auditorias tradicionais, ainda predominantes na atuação dos Tribunais de Contas, tratam o tema de forma indireta e limitada.
ACONTECE – Tomando carona nas suas palavras, o que significa “transformar os Tribunais de Contas em prestadores de serviço público de qualidade, por meio de um comportamento proativo na sociedade?
VALDECIR PASCOAL – Significa que os tribunais devem, como estão a fazer, aprimorar a prestação de serviços à sociedade, ouvindo as comunidades e levando em conta a satisfação do cidadão e a melhoria de sua qualidade de vida. Ademais das verificações tradicionais, a matriz de risco utilizada para a seleção das amostras de auditoria considera pontos candentes relacionados com temas fulcrais do interesse da sociedade, como os de saúde, educação, segurança e mobilidade, como já mencionado. O cidadão precisa saber que a atividade de fiscalizar, por si só, é fundamental. Mas não apenas isso. Precisa saber que o controle pode melhorar a qualidade da prestação de outros serviços públicos relacionados diretamente à sua vida.
ACONTECE – A Atricon mantém a ênfase em defender a criação de conselho similar ao CNJ para os Tribunais de Contas? O que um conselho melhoraria na configuração institucional do controle externo?
VALDECIR PASCOAL – A implementação de um Conselho Nacional dos Tribunais de Contas deve levar ao alcance de resultados semelhantes àqueles decorrentes da criação do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público. Como nesses casos, além das questões éticas, estariam em pauta o estabelecimento de padrões técnicos e o monitoramento de metas gerais, com vistas a uma atuação mais oportuna e consequente. Embora tenha havido evolução, o nível de assimetrias existentes na atuação dos Tribunais ainda é considerável. O CNTC atenuará nossas diferenças.
ACONTECE – Qual sua visão crítica acerca do processo de escolha de membros dos Tribunais de Contas?
VALDECIR PASCOAL – Este tema está na pauta da Atricon, que tem se manifestado de maneira enfática pelo fiel respeito aos comandos previstos na Constituição da República. Esta postura já impregna a visão dos Tribunais de Contas, como atestam episódios recentes de escolha de novos membros, quando foram rechaçadas indicações impróprias do ponto de vista da regulamentação constitucional. Aprovamos no IV Encontro duas teses importantes. A primeira é a exigência da observância dos atributos da lei da ficha limpa para os indicados para os cargos de ministros e conselheiros. A segunda é a possibilidade de os próprios Tribunais negarem posse àqueles indicados que não cumpram os requisitos constitucionais. Em paralelo, estamos debatendo propostas de aperfeiçoamentos nos próprio critérios constitucionais de composição, sem embargo de compreendermos que o atual modelo de composição, se cumprido ao pé da letra, já pode ser considerado um avanço.
ACONTECE – Como analisa o já manifesto interesse dos membros do Ministério Público de Contas em conquistar independência administrativa e financeira, desatrelando-se dos Tribunais de Contas sob tais aspectos?
VALDECIR PASCOAL – É objetivo estratégico da Atricon o fortalecimento dos papéis dos Auditores (Ministros e Conselheiros Substitutos) e dos Procuradores de Contas. No caso específico desta última categoria, a Resolução que trata da adequação da composição dos Tribunais de Contas ao modelo constitucional vigente, aprovada durante nosso IV Encontro Nacional, defende o reconhecimento dos ocupantes desse cargo como membros dos órgãos, ao mesmo tempo em que enfatiza a independência funcional desses servidores e recomenda a disponibilização da estrutura administrativa adequada ao desempenho de suas atividades, bem como o apoio necessário ao desenvolvimento de habilidades e competências relacionadas com o seu objeto de trabalho. O mesmo instrumento sinaliza ainda para o incentivo a iniciativas que visem ao alcance da autonomia administrativa plena e da previsão orçamentária própria. Esse debate sobre o papel e possíveis aperfeiçoamentos do parquet especial está inserido no próprio processo de desenho do modelo de controle externo que desejamos.