Cedendo à pressão de prefeitos e parlamentares, o governo federal editou a Medida Provisória 1.167/2023, prorrogando até 30 de dezembro de 2023 a possibilidade de utilização da vetusta e superada lei 8.666/1993 que há trinta anos disciplina a realização de licitações e a execução de contratos pela administração pública brasileira. O argumento apresentado foi o de que os municípios não tiveram tempo para adaptar suas estruturas e capacitar seus servidores de acordo com as regras da lei 14.133/2021, a nova lei de licitações e contratos – NLL.
Como assim, não tiveram tempo?
A NLL foi publicada em abril de 2021 e concedeu um prazo de 24 meses de sobrevida à antiga norma, exatamente para que a transição entre os dois regimes fosse planejada e progressiva. Nesse período, inúmeros especialistas alertaram para a necessidade de adoção das providências necessárias à implantação da lei 14.133. Nesse mesmo espaço, escrevi diversos artigos sobre o tema. Não poucas vezes, ouvi de gestores que não estavam preocupados, porque ao final do prazo, haveria uma prorrogação “como sempre acontece”. De fato, em muitos setores ainda subsiste um arraigado ranço cultural que coloca a procrastinação como valor supremo e a resistência à mudança como missão institucional.
Um lamentável exemplo é a Política Nacional de Resíduos Sólidos – lei 12.305/2010 que originalmente fixou um prazo de quatro anos para que em todo o país fosse implantada a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, ou seja, a eliminação dos “lixões” a céu aberto. O último adiamento estendeu os prazos até 2024, nada menos que quatorze anos, e não há dúvidas que quando chegar a data limite haverá novos apelos à “razoabilidade”, postergando ainda mais uma solução. Da mesma forma em relação à NLL. Alguém aposta que em nove meses farão tudo o que não foi feito em dois anos?
O curioso é que muitos dos que imploraram pela delonga no emprego da 8.666/1993 perfilavam entre os seus mais ácidos críticos, acusando-a de burocrática e culpada pela morosidade administrativa. Não me entendam mal: nem a 14.133/2021 é perfeita, nem a 8.666/1993 é imprestável. Tanto não é que muitos de seus dispositivos foram mantidos e aprimorados na NLL. Não é disso que se trata. Vejam a data: 1993!
Em 1993 o Brasil não conhecia a internet, quanto mais os smartphones. A 8.666 é uma legislação analógica concebida para um mundo e uma administração analógicos. Em outras palavras, é uma norma obsoleta no tempo e no espaço. Insistir na sua continuidade, respirando por aparelhos, é apegar-se ao passado.
Como mencionei antes e aprofundei em outros artigos a NLL não é irreprochável. Nenhuma peça legislativa o é, pois todas refletem o embate de influências distintas e por vezes contraditórias que encontram expressão nos parlamentos democráticos. Contudo, a lei 14.133 trouxe inúmeras, positivas e necessárias inovações, compatíveis com as diretrizes do governo digital e a necessidade de ampliação de serviços digitais com procedimentos transparentes e em tempo real. Para citar apenas alguns dos novos dispositivos e institutos: dispensa eletrônica de licitações com participação aberta online a fornecedores cadastrados em todo o país; centrais de compras; avaliação de desempenho de fornecedores; plano anual de contratações; portal nacional de contratações públicas; exigências relativas a sustentabilidade, acessibilidade e integridade; fortalecimento da governança, do controle interno e do assessoramento jurídico; julgamento por maior desconto e maior retorno econômico; contratos de eficiência; obrigação do gerenciamento de riscos; melhor segregação de funções; e previsão de meios alternativos de resolução de controvérsias, tais como a conciliação, a mediação e a arbitragem.
Tudo isso fica devidamente relegado a um prazo incerto enquanto nossos gestores se apegam à carcaça da lei 8.666. Para quê tanta pressa, afinal? Para eles, o futuro pode esperar. E para o Brasil? As inovações da lei 14.133 despertam receio no conservadorismo atávico, fadiga nos que não querem se atualizar e oposição nos que encontraram sua zona de conforto nas brechas da norma anterior. Não são poucos os que têm medo da NLL. Até o momento, têm sido bem-sucedidos.
Luiz Henrique Lima é professor e Conselheiro Substituto do TCE-MT.