Sobras do Fundeb: Uma medida excepcional ou reflexo de planejamento insuficiente?

Cezar Miola

Com a aproximação do final do ano e o encerramento do exercício financeiro, muitos gestores municipais estão utilizando as sobras de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) com o intuito de cumprir o mínimo constitucional reservado aos profissionais com atuação nessa área.

Essas verbas têm sido destinadas ao pagamento de abonos, considerando que a Lei nº 14.113/2020 permite a utilização do saldo remanescente, desde que o Município não tenha alcançado a aplicação de pelo menos 70% dos recursos do Fundeb no pagamento dos profissionais da educação básica em efetivo exercício.

Nesse cenário, surge uma questão importante: se, ao longo do ano, houve planejamento adequado, com ensino de qualidade, carreiras de magistério estruturadas e garantia do piso salarial, seria mesmo possível que houvesse sobras de recursos ao final do exercício? Ou será que tais “excedentes” refletem falhas no planejamento e na execução das políticas públicas, que poderiam ter sido melhor aplicadas em benefício da educação e dos profissionais?

A distribuição dos recursos sem plano adequado pode abrir espaço para “soluções” simplistas, de alcance limitado e com critérios superficiais. Não raro, esses critérios se baseiam apenas na lotação funcional dos profissionais da educação, sem se avaliar o impacto real das medidas. Embora possa parecer um reconhecimento à categoria docente (e ela merece a máxima valorização, sem dúvida), a distribuição linear de recursos não contribui significativamente para a valorização da atividade, a qual deveria ser garantida por um plano de carreira robusto, que envolvesse não apenas remuneração, mas também formação continuada, desempenho, metas, resultados.

Em certos casos, o problema é ainda mais grave: em alguns desses Municípios, o piso salarial do magistério sequer está sendo pago, o que é uma falha grave.

Ao final do ano, a distribuição das sobras do Fundeb pode contribuir para distorções, com forte potencial para gerar desajustes internos. Essa prática, frequentemente sem pressupostos objetivos, como o desempenho dos servidores, atinge apenas um número limitado de profissionais. E isso também é capaz de comprometer princípios fundamentais como eficiência, igualdade e impessoalidade.

Por outro lado, não podemos ignorar as crônicas deficiências de infraestrutura enfrentadas por muitas escolas de educação básica no Brasil. Crianças e educadores lidam com condições precárias, como a falta de água potável, infraestrutura sanitária inadequada, problemas de acessibilidade e de conforto térmico. Embora se saiba que tais necessidades devem ser providas por outras verbas reservadas à manutenção e desenvolvimento do ensino – uma vez que os referidos 70% do Fundeb têm destino certo e intransferível – tais carências são inaceitáveis.

A Comissão de Educação da Atricon, que acompanha o tema, defende a valorização das carreiras, mas enfatiza que a distribuição das sobras do Fundeb deve ser feita com critérios rigorosos. O rateio só pode ocorrer quando todos os pressupostos relacionados ao fortalecimento e à profissionalização das carreiras forem atendidos.

Cezar Miola é conselheiro do TCE-RS e vice-presidente de Relações Político-Institucionais da Atricon