Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, na última terça-feira (06), o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7177/PR, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, cujo objeto é considerado de grande importância para o Sistema Tribunais de Contas.
A ADI foi ajuizada pela Associação Nacional de Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (ANAPE) em face da Emenda Constitucional n° 51/2021 da Constituição do Estado do Paraná, a qual previu a possibilidade da representação judicial do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) ser exercida por servidores efetivos do quadro próprio do TCE que fossem regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mediante designação do Presidente da Corte de Contas paranaense.
Pelo placar de oito votos favoráveis e três contrários, prevaleceu, ao final, o voto proferido pelo relator, que julgou parcialmente procedente a ADI para:
“(i) declarar a inconstitucionalidade da expressão “por determinação do Presidente do Tribunal de Contas”, constante do art. 243-C, caput, da Constituição do Estado do Paraná;
(ii) atribuir interpretação conforme a Constituição ao mesmo dispositivo, para fixar que:
* o exercício da função de representação judicial pelos servidores do TCE/PR se restringe aos casos em que necessária à defesa de suas prerrogativas ou de sua autonomia; e
* na expressão “servidores efetivos do quadro próprio do Tribunal de Contas do Estado”, estão abrangidos apenas os agentes que exerçam cargo, a ser criado por lei e provido por concurso público, com atribuições de advogado, procurador ou consultor jurídico do TCE-PR.”
Por consequência, o Supremo modulou os efeitos da decisão para “atribuir-lhe eficácia prospectiva, de modo a preservar a validade da norma impugnada por 18 (dezoito) meses, a contar da publicação da ata de julgamento de mérito” e “manter hígidos os atos praticados pelos servidores designados na forma da Emenda Constitucional n° 51/2021 da Constituição do Estado do Paraná nesse mesmo período”.
Segundo o voto condutor, “não é juridicamente adequada a autorização para simples aproveitamento de servidores para a função de assessoramento e representação judicial do TCE. Isso porque essas são atribuições diversas daquelas acometidas aos cargos de que são titulares”.
Ao final, fixou-se a seguinte tese de julgamento:
1. É constitucional a criação de órgão para assessoramento e consultoria jurídica de Tribunal de Contas, podendo, todavia, realizar a representação judicial da Corte exclusivamente nos casos em que discutidas prerrogativas institucionais ou a autonomia do TCE.
2. É inconstitucional, por violação ao art. 37, II, da CF/1988, o aproveitamento de servidores titulares de cargos públicos diversos, por designação, para atuarem como advogados do Tribunal de Contas.
O item de número 1 da tese corrobora com a Nota Técnica Conjunta ATRICON-ABRACOM-CNPTC nº 01/2024, publicada ainda no início deste ano no site da Atricon, que tem como assunto principal a representação judicial, consultoria e assessoramento jurídico dos Tribunais de Contas por carreira especial da instituição.
Ao comentar sobre o tema, o presidente da Atricon, Edilson Silva, salientou que o item 2 deve ser encarado com cautela, em virtude do significativo potencial de impor e causar mudanças estruturais relevantes nas unidades de assessoramento jurídico e representação judicial dos TCs.
“Esta atenção é necessária porque o STF acabou estabelecendo três condições para o efetivo funcionamento dessas unidades: lei que crie cargos no âmbito do TC; realização de concurso público para preenchê-los, vedada a transposição de servidores por designação da Presidência; e. previsão específica em lei de atribuição do cargo para atuar na consultoria ou assessoramento da Corte e, apenas quando discutida sua autonomia ou suas prerrogativas, na sua representação judicial”, explica.
Ainda em meados do ano de 2023, quando se iniciou o julgamento da ADI 7177/PR no plenário virtual do STF, a Atricon, ao tomar conhecimento do voto do relator, promoveu diversas audiências com os ministros do STF na tentativa de sensibilizá-los das consequências práticas da decisão apresentada pelo relator. “A atuação da Atricon rendeu bons frutos, notadamente pela divergência inaugurada pelo ministro Gilmar
Mendes, acompanhada pelo ministro Flávio Dino , que em seu voto expressou a preocupação com o entendimento sustentado pelo relator”, avaliou Edilson Silva.
Confira um trecho do voto divergente/vencido a respeito:
> “ No caso dos TCEs, a previsão de carreiras especiais é exceção. Na maioria dos Estados em que a respectiva Corte de Contas se encarrega de sua própria representação judicial extraordinária, a atividade é exercida por meio da designação de servidores.
> É preciso que se diga que a adoção de tal entendimento resultará na imediata inviabilização da atividade das procuradorias especiais de diversos TCEs e assembleias legislativas – em especial, da Câmara dos Deputados – que atualmente se encontram organizadas em arranjos outros que não em torno de uma carreira especial.”
No mesmo sentido, a atuação da Atricon também resultou no pedido de vista do ministro Dias Toffoli, o qual, após análise mais acurada do caso, acompanhou a divergência aberta pelo ministro Gilmar Mendes e também chamou atenção para os efeitos práticos da tese proposta pelo relator, conforme mostra o trecho abaixo:
> “Nesse quadro, e considerando o poder de auto-organização dos tribunais de contas (de que trata o caso presente), não podemos afastar, de antemão, a possibilidade de diversos formatos de estruturação da atividade em apreço. As cortes de contas espalhadas nos diferentes estados da Federação apresentam realidades institucionais bastante diversas, sendo recomendável que o Supremo Tribunal Federal seja sensível a essa diversidade e à capacidade de experimentação desses órgãos.
> Haverá casos em que não se justifica a estruturação de uma carreira específica para lidar com esse tipo de demanda – a qual pode ser mais ou menos recorrente, a depender da realidade da instituição –, sendo mais racional, do ponto de vista da organização administrativa, a criação de funções específicas a serem desempenhadas por servidores concursados.”
Próximos passos
Apesar dos esforços do TCE-PR e da Atricon para demonstrar a constitucionalidade do modelo adotado pela Corte de Contas paranaense (modelo este também adotado por diversos TCs) , prevaleceu a tese proposta pelo ministro relator.
Neste sentido, a Atricon, juntamente com os seus advogados, estuda a melhor forma de ampliar, pela via dos embargos de declaração, a modulação dos efeitos concedida pelo voto vencedor, a fim de que os TCs possam ter um tempo maior para se adequar a essa nova estrutura estabelecida no precedente vinculante, especialmente pelas condições orçamentárias, administrativa e financeira que envolve a criação de uma nova carreira na estrutura dos TCs, além da dependência de um projeto de lei a ser enviado, discutido e aprovado pelo Poder Legislativo de cada Estado onde ainda não há essa carreira específica.