As despesas referentes a serviços de vigilância e à aquisição e instalação de câmeras de monitoramento nas unidades escolares da rede pública de ensino podem ser computadas no percentual mínimo de aplicação da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino, referente ao índice constitucional mínimo da área da educação, previsto no artigo 212 da Constituição Federal, que deve ser aplicado anualmente: de 18% para a União e 25% para os estados, o Distrito Federal e os municípios.
Para tanto, anteriormente, de maneira efetiva, devem ter sido priorizadas as despesas essenciais ao funcionamento pleno do sistema de ensino e à qualidade da educação; e deve ser demonstrada a necessidade dos serviços de vigilância e das câmeras de monitoramento para o ambiente escolar, com as devidas justificativas.
Esta é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Município de Verê (Região Sudoeste), por meio da qual questionou se seria possível a contabilização, no mínimo constitucional da educação, dos gastos com empresas para a prestação de serviços de vigilância e para aquisição e instalação de câmeras de monitoramento nos estabelecimentos de ensino da rede municipal de ensino.
Instrução do processo
Em seu parecer, a assessoria jurídica do município consulente entendeu pela possibilidade de se contabilizar os dispêndios questionados no índice mínimo constitucional da educação.
A então Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que os gastos com serviços de vigilância e a aquisição e instalação de câmeras de monitoramento nas unidades escolares da rede pública de ensino somente podem ser computadas no índice mínimo constitucional da educação se todos os gastos relacionados diretamente com a qualidade da oferta de ensino tiverem sido anteriormente atendidos.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) concordou, em seu parecer, com a instrução da unidade técnica. E acrescentou que, embora seja juridicamente possível o uso de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) para a contratação de serviços ou aquisição de equipamentos de vigilância, essa utilização deve ser precedida por uma análise criteriosa que priorize despesas essenciais ao funcionamento e à qualidade da educação.
Legislação, jurisprudência e doutrina
O artigo 6º do texto constitucional fixa que são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados.
O inciso III do artigo 35 da CF/88 expressa que o Estado não intervirá em seus municípios, nem a União nos municípios localizados em Território Federal, exceto quando não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
O artigo 212 da Constituição Federal dispõe que a União aplicará, anualmente, nunca menos de 18%, e os estados, o Distrito Federal e os municípios 25%, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
O artigo 212-A da CF/88 estabelece que os estados, o Distrito Federal e os municípios destinarão parte dos recursos da educação à manutenção e ao desenvolvimento do ensino na educação básica e à remuneração condigna de seus profissionais.
O artigo 213 do texto constitucional fixa que os recursos públicos serão destinados às escolas públicas. Eles podem ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação; e assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao poder público, no caso de encerramento de suas atividades.
A Emenda Constitucional nº 108/20 estabeleceu que, da complementação do Valor Anual Total por Aluno (VAAT) pela União, 15%, no mínimo, deve ser aplicado em despesas de capital.
O artigo 70 da Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB) expressa que serão considerados como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam à remuneração e ao aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação; e à realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino; à aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino; ao uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino; aos levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e à expansão do ensino; à realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino; à concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas; à amortização e custeio de operações de crédito destinadas a atender ao disposto nos incisos deste artigo; à aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar; e à realização de atividades curriculares complementares voltadas ao aprendizado dos alunos ou à formação continuada dos profissionais da educação, tais como exposições, feiras ou mostras de ciências da natureza ou humanas, matemática, língua portuguesa ou língua estrangeira, literatura e cultura.
O artigo 71 da LDB dispõe que não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com pesquisa, quando não vinculada às instituições de ensino, ou, quando efetivada fora dos sistemas de ensino, que não vise, precipuamente, ao aprimoramento de sua qualidade ou à sua expansão; subvenção a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial, desportivo ou cultural; formação de quadros especiais para a administração pública, sejam militares ou civis, inclusive diplomáticos; programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social; obras de infraestrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar; e pessoal docente e demais trabalhadores da educação, quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino.
O artigo 25 da Lei n° 14.113/20, que regulamenta o Fundeb, estabelece que os recursos dos fundos, inclusive aqueles oriundos de complementação da União, serão utilizados pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios no exercício financeiro em que lhes forem creditados, em ações consideradas de manutenção e de desenvolvimento do ensino para a educação básica pública, conforme disposto no artigo 70 da Lei nº 9.394/96.
A Lei nº 14.113/20, que regulamenta o novo Fundeb, fixa que o percentual mínimo de 15% dos recursos da Complementação VAAT, será aplicado, em cada rede de ensino beneficiada, em despesas de capital.
O artigo 29 da Lei nº 14.113/20 expressa que é vedada a utilização dos recursos dos fundos para financiamento das despesas não consideradas de manutenção e de desenvolvimento da educação básica; pagamento de aposentadorias e de pensões; e garantia ou contrapartida de operações de crédito, internas ou externas, contraídas pelos estados, pelo Distrito Federal ou pelos municípios que não se destinem ao financiamento de projetos, de ações ou de programas considerados ação de manutenção e de desenvolvimento do ensino para a educação básica.
O artigo 12 da Lei nº 4.320/64, que estatui normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal, dispõe que a despesa pública orçamentária se classifica em duas categorias econômicas: despesas correntes e despesas de capital.
De acordo com o Manual de Demonstrativos Fiscais da Secretaria do Tesouro Nacional, a remuneração, incluindo os encargos incidentes da remuneração, e o aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação são considerados gastos com pessoal para fins da manutenção básica de ensino, excetuadas as despesas com pessoal quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino.
O Acórdão nº 2.533/23 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 518991/22) fixa que os gastos com o preparo da merenda escolar podem ser utilizados para atingir o índice mínimo da receita de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino, previsto no artigo 212 da Constituição Federal.
O Acórdão nº 3121/24 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 412828/23) expressa que as despesas com servidores ativos da educação pagas intempestivamente não podem ser computadas no percentual mínimo de aplicação da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino, referente ao índice constitucional mínimo previsto no artigo 212 da Constituição Federal, que deve ser aplicado anualmente: de 18% para a União e 25% para os estados, o Distrito Federal e os municípios.
Inclusive, esse acórdão estabelece que essas despesas não podem ser custeadas com os recursos do Fundeb; e que os gastos com merenda e uniforme escolar não podem ser incluídos nas despesas vinculadas à educação, em razão da vedação expressa no artigo 71, inciso IV, da Lei nº 9.394/96.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Ivan Bonilha, lembrou que o texto constitucional expressa a obrigatoriedade de os municípios destinarem, anualmente, na manutenção e desenvolvimento do ensino, ao menos 25% da receita oriunda de impostos, incluída a proveniente de transferências.
Bonilha ressaltou que as diretrizes e bases da educação nacional foram estabelecidas pela Lei nº 9.394/96, que, ao regulamentar aquele dispositivo da Constituição, relacionou, em seu artigo 70, quais despesas podem ser consideradas como de manutenção e desenvolvimento do ensino, com vinculação dos recursos às finalidades essenciais das instituições educacionais; e, por outro lado, no artigo 71 definiu quais não devem ser classificadas como tal.
O conselheiro explicou que o Ministério da Educação já orientara que se enquadraria no conceito de despesas destinadas à aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino aquelas relacionadas com toda infraestrutura necessária para garantir a educação, como construções, reformas, ampliações, aquisição de mobiliário, laboratórios e equipamentos para o bom funcionamento das instituições.
Assim, o relator concluiu que, de fato, há possibilidade de que a aquisição e a instalação de câmeras de monitoramento nos estabelecimentos de ensino sejam classificadas na previsão a que se refere o inciso II do artigo 70 da Lei nº 9.394/96, em que pese não constarem expressamente do dispositivo legal.
Bonilha lembrou que o novo Fundeb foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 108/20, que primou por maior eficiência no direcionamento dos recursos públicos.
Quanto ao termo “realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino” – artigo 70, inciso V, da Lei nº 9.394/96 -, o conselheiro destacou que o Manual de Orientação do novo Fundeb, disponibilizado pelo Ministério da Educação, esclarece que consiste em “despesas inerentes ao custeio das diversas atividades relacionadas ao adequado funcionamento da educação básica”.
Ele exemplificou como tais despesas os serviços diversos – vigilância, limpeza, conservação e outros – e a aquisição do material de consumo utilizado nas escolas e demais órgãos do sistema de ensino – papel, lápis, canetas, grampos, colas, fitas adesivas, giz, cartolinas, água, produtos de higiene e limpeza, tintas e outros.
O relator frisou que o Manual de Orientação do novo Fundeb ressaltou que o fundo prevê que pelo menos 15% dos recursos da Complementação VAAT sejam destinados para despesas de capital por cada rede de ensino beneficiada. Assim, ele concluiu que o novo Fundeb garante que parte dos recursos seja destinado para melhoria da infraestrutura escolar, por meio de investimentos em construção de salas de aula, compra de mobiliários e outros equipamentos necessários ao ensino.
Bonilha reforçou que a Lei nº 14.113/20 dispõe sobre a utilização dos recursos dos fundos de educação, disciplinando, em seu artigo 25, que tais valores, inclusive os provenientes de complementação da União, devem ser utilizados pelos municípios em ações de manutenção e desenvolvimento do ensino para a educação básica, conforme previsto no artigo 70 da Lei nº 9.394/96.
Assim, considerando o regramento da Lei nº 14.113/20, Bonilha alertou que os recursos atrelados ao Fundeb devem ter seu direcionamento voltado apenas às situações que envolvem manutenção e desenvolvimento da educação básica.
Portanto, o conselheiro entendeu que o direcionamento de recursos para a prestação do serviço de vigilância nas unidades escolares da rede municipal de ensino, inserido num contexto educacional, caracteriza-se como uma despesa relativa à manutenção e desenvolvimento do ensino, nos termos dispostos pelo inciso V do artigo 70 da Lei nº 9.394/96, podendo, como consequência, ser computada para o atingimento do mínimo de 25% de aplicação, exigido constitucionalmente.
O relator advertiu que a Constituição da República trata da atuação prioritária dos municípios no ensino fundamental e na educação infantil, competindo-lhes manter programas relacionados a tais áreas, com a cooperação técnica e financeira da União e do estado.
Bonilha enfatizou que a distribuição dos recursos públicos relativos à manutenção e desenvolvimento do ensino deve garantir prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que diz respeito à universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade.
Finalmente, o conselheiro concordou com o posicionamento da CGM e do MPC-PR no sentido de que, quanto à aplicação de tais recursos, o gestor público deve dar primazia às ações e aquisições mais diretamente relacionadas com os elementos imprescindíveis ao processo de aprendizagem e com o padrão de qualidade do ensino, conforme limites definidos pela Lei nº 9.394/96.
A proposta do relator foi aprovada por voto de desempate do presidente, conselheiro Ivens Linhares, após a apresentação de voto divergente pelo conselheiro Maurício Requião, na Sessão Ordinária nº 27/25 do Tribunal Pleno do TCE-PR, realizada presencialmente em 30 de julho. O Acórdão nº 1987/25 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 7 de agosto, na edição nº 3.500 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC).
Com informações da Assessoria de Comunicação do TCE-PR