Tempos: gestão e controle

Tempos: gestão e controle

 Valdecir Pascoal

 

Conciliar os tempos da gestão e do controle é um dos grandes desafios do setor público. A execução das políticas públicas deve ser, em regra, contínua. A atuação do controle – aqui foco os Tribunais de Contas (TCs) – pressupõe, por sua vez, interferências excepcionais no andamento da gestão, visando garantir legalidade e eficiência na aplicação dos recursos públicos.

De um lado, os gestores enfrentam o labirinto legal que disciplina a realização das compras públicas, parcela relevante do orçamento, que devem ser precedidas de processo licitatório. Por outro, os TCs buscam maior efetividade do seu controle. O tradicional controle da gestão a posteriori cede espaço à atuação preventiva (concomitante), em que se destacam as decisões cautelares sustando licitações com indícios, p. ex., de restrição à competição ou de sobrepreço. Em plena era digital, em que os atos de gestão chegam ao controle em tempo real, a realização de “biópsias” (em vez de “autópsias”) nas contas revela-se um grande avanço na proteção do erário e dos próprios gestores. Essa atuação corretiva vem gerando vultosa economia, provando ser bem melhor do que remediar sobre leites já derramados.

Há, porém, um risco de retrocesso nessa profilaxia, representado pelo projeto de lei, aprovado pelo Congresso, que disciplinará as licitações e contratos – PL 4.253/20. O texto, que aguarda sanção, ao tratar (poderia fazê-lo?) do poder cautelar dos TCs, afronta a Constituição: a) quando fixa um prazo de 25 dias úteis para esses órgãos decidirem sobre o mérito; e b) quando os obrigam a indicar ao gestor o modo como serão garantidos os serviços essenciais obstados pela cautelar e as medidas adequadas para correção das irregularidades. Tais exigências contrariam os princípios da duração razoável do processo, da eficiência, da separação dos poderes e a capacidade de autogoverno dos TCs, devendo ser vetadas pelo Presidente; não o sendo, caberá ao STF afastá-las.

A rigor, é ilusória a dicotomia entre os tempos da gestão e do controle. Sendo públicos os recursos, seu controle é inerente ao ciclo da gestão. Todavia, à luz da CF, de suas próprias normas, do CPC e da LINDB, e enquanto não se aprova uma lei nacional processual de controle, os TCs podem aprimorar o seu processo cautelar: – Ouvir, de regra, a gestão antes da decisão; – Conceder a cautelar a partir de robusta motivação, evidenciando a inexistência de perigo de mora reverso (risco de a medida de urgência ser mais danosa); – Garantir máxima agilidade à sua apreciação, assegurado o contraditório.

 

Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE-PE