Tribunais de Contas – Diálogos 4

– Voltando ao tema do devido processo legal, qual a natureza do processo de controle que ocorre nos Tribunais de Contas (TCs)?

– É comum tratarem o processo de controle externo como sendo de natureza administrativa. No entanto, ganha relevo a posição doutrinária que o percebe como um ramo próprio. Ayres Britto afirma que os processos de contas, instaurados pelos TCs, têm sua própria ontologia, em contraposição aos de natureza parlamentar, judicial ou administrativa. O STF, por sua parte, atribui a ele um colorido quase-jurisdicional, cujo andamento deve se valer, subsidiariamente, das regras gerais de processo administrativo e do CPC.

– E onde estão essas regras do processo de controle? Existe um código próprio?

– As regras constam das leis orgânicas e regimentos internos de cada TC, que disciplinam os tipos de processo, bem como a instrução, os prazos para defesa, os recursos e o papel do Min. Público de Contas (MPC). Não existe uma lei processual única, nacional, de controle. Ela seria muito bem-vinda e o Congresso deveria priorizar a apreciação de propostas que tratam da matéria.

– Os gestores se defendem dos fatos apontados nos relatórios da auditoria, sujeitando-se também à atuação processual do MPC. Por fim, quem os julga são os membros dos colegiados dos TCs. Não há um desequilíbrio de “armas” em relação à gestão? 

– Os TCs são de fato “sui generis”. É um Tribunal em que o fiscal, o parquet e o julgador, mesmo dotados de independência funcional, integram o mesmo ambiente institucional. Nesse cenário, o desafio do julgador é manter uma postura de equidistância entre os segmentos do controle e os gestores, para evitar os vieses cognitivos, que podem contaminar uma decisão (sugiro a leitura dos meus artigos da série “Julgar sem ruídos”). Para tanto, é fundamental uma motivação que valorize, com a mesma profundidade e respeito, os elementos trazidos pelos atores processuais envolvidos.

– O julgamento final dos TCs pode divergir das conclusões dos relatórios de auditoria?

– O relatório de auditoria, documento essencial do processo, é elaborado ainda na fase de instrução, antes da apresentação da defesa pelos gestores, os quais, em tese, podem trazer provas capazes de afastar ou atenuar as alegadas irregularidades. É na fase do julgamento que são cotejados o relatório, a defesa e o parecer do MPC. Há também a hipótese de a instância julgadora legitimamente discordar do relatório ou do parecer. Algumas incompreensões sobre a atuação dos TCs decorrem do desconhecimento dessas questões processuais.

Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE-PE.