Um Tribunal a serviço da Democracia

Valdecir Pascoal

Há dois anos, ao assumir a Presidência do Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE), afirmei que era, sim, tempo de olhar o presente e o futuro com preocupação, mas sem medo. O país vivia, como ainda vive, em certa medida, um ambiente de múltiplos desafios: crises de confiança, desinformação e tentativas de enfraquecimento das instituições democráticas.

Naquele discurso de posse, procurei situar o papel do Tribunal nesse contexto histórico. Defendi que o fortalecimento das instituições seria parte essencial da travessia e que o controle externo deveria exercer suas atribuições constitucionais com rigor, mas também com diálogo e sentido público. Não como promessa retórica, mas como direção.

Dois anos depois, o tempo, esse senhor que sabe fazer as horas, permite revisitar aquele ponto de partida com serenidade.

Os avanços registrados no biênio 2024–2025 (ver Relatório em www.tcepe.tc.br) não são obra de vontades individuais. São fruto de um esforço coletivo, sustentado por planejamento estratégico, pelas diretrizes de entidades nacionais e internacionais do controle externo — como a Intosai, a Atricon e o IRB — e por uma cultura institucional madura, marcada pelo debate qualificado e pela busca de consensos. Em tempos de ruídos, preservar a estabilidade institucional também é uma forma silenciosa de servir à democracia.

Reafirmamos nossa histórica postura: um órgão que fiscaliza e julga com firmeza, mas que também dialoga, orienta e previne. Um controle que não é subserviente nem soberbo.

Essa visão ganhou expressão simbólica na nova identidade visual do Tribunal. Inspirada no sol da bandeira de Pernambuco e nas pontes do Recife, a nova logo dialoga diretamente com a metáfora utilizada no meu discurso de posse, expressando a ideia de um Tribunal que liga margens, fortalece a cooperação institucional e se aproxima da sociedade.

No plano concreto, os resultados são expressivos. O TCE-PE julgou mais de 22 mil processos em 2024/25, e a atuação preventiva gerou economia estimada em R$2,3 bilhões, sem computar os benefícios intangíveis do exercício diário do controle. Mantivemos, nesse período, o selo Diamante do Programa Nacional de Transparência Pública, reafirmando que transparência é compromisso democrático.

No campo das políticas públicas — eixo central anunciado na posse —, avançamos com a produção de indicadores inéditos, capazes de transformar dados dispersos em evidências úteis à gestão. Avaliamos políticas de segurança pública, identificamos riscos na previdência municipal e ampliamos a transparência sobre renúncias de receitas e gastos com grandes eventos, por meio de painéis temáticos que se tornaram referência nacional.

Na educação, o Índice de Compromisso com a Alfabetização (ICA) passou a medir objetivamente o engajamento dos municípios com a alfabetização na idade certa. Essas iniciativas se somaram a avaliações em áreas como primeira infância, educação inclusiva, defesa civil, meio ambiente, gestão tributária, compras governamentais, emendas impositivas e gestão de pessoas, sempre sob a mesma premissa: avaliar para melhorar e proteger o interesse coletivo.

Nada disso seria possível sem inovação. O portal TomeConta foi remodelado e passou a oferecer informações integradas sobre julgamentos, fiscalizações, políticas públicas, gestão fiscal e dados abertos, aproximando o cidadão da atuação do Tribunal.

Nesse mesmo eixo, avançamos no uso responsável da inteligência artificial com a implantação da Aurora, ferramenta de apoio à análise de dados e à identificação de riscos, sempre sob controle humano e critérios éticos.

Mas inovação institucional não se sustenta sem pessoas. Por isso, investimos continuamente na qualificação do quadro de pessoal, em programas de capacitação e em políticas voltadas ao bem-estar. O capital humano é a maior fortaleza do TCE-PE.

No campo do diálogo e da comunicação, também avançamos. Programas como o Fala, Gestor e o Escuta Cidadã consolidaram uma relação mais próxima com gestores e sociedade. A adoção da Linguagem Simples passou a orientar atos de gestão e de controle, além da comunicação institucional. Nesse mesmo espírito, instituímos o Prêmio Jornalista Inaldo Sampaio, reconhecendo o papel da imprensa na promoção do controle social, da transparência e da democracia.

Ao final deste ciclo, o que se apresenta não é apenas um conjunto de resultados institucionais. Está em jogo algo maior: o papel de um Tribunal de Contas que, ao contribuir para a boa gestão, fortalece as instituições e a própria democracia. Não há democracia sólida sem instituições fortes e confiáveis.

É a partir desse lugar coletivo e institucional que volto, agora, à imagem que atravessou toda esta jornada. A travessia nunca pertence ao barqueiro. Ela pertence ao rio. O rio somos todos nós que fazemos o TCE-PE. A instituição segue. A obra continua. E continuará sempre maior do que cada um de nós.

No plano pessoal, inspiro-me no poema Felicidades, de Bertolt Brecht. Encerrado o ciclo, eis os meus desejos-sentimentos: Voltar a fazer bons caminhos; Escrever mais; Conviver mais com os amigos; Estar ainda mais perto de minha família; A sensação de dever cumprido; A certeza de que o TCE-PE estará em boas mãos.

PS. O Conselheiro Carlos Neves será a mão que vai liderar o TCE-PE nos próximos dois anos. Sobre ele, escreverei em breve.

Valdecir Pascoal é presidente do TCE-PE e ex-presidente da Atricon