Em entrevista ao jornal Zero Hora publicada na virada do ano, o prefeito de Porto Alegre Sebastião Melo classificou o transporte público de Porto Alegre como um sistema morto: “Estamos embalando o cadáver”, disse ele. Ainda usando linguagem soturna para fazer uma analogia, talvez se possa estabelecer a comparação com um zumbi. Isso porque o falecido citado pelo prefeito segue se movendo. Na capital gaúcha, as empresas e os empregados do setor chegaram a um acordo prevendo reajuste salarial de 10%. Independentemente da legitimidade da reposição, a questão é que o acerto lança novo componente na discussão sobre o financiamento do sistema e o valor da passagem.
O setor já estava em crise antes, e a pandemia só ampliou a encruzilhada envolvendo mobilidade urbana, qualidade do serviço, remuneração das empresas, valor justo cobrado do usuário e participação do poder público. O zumbi tem exigido aportes do tesouro municipal sem que se vislumbre solução a curto prazo. Se o monstro transitasse apenas nas ruas de Porto Alegre, poderíamos pensar que estamos diante de um problema local. Mas o cenário se repete pelo país, assustando prefeitos e, sobretudo, preocupando os usuários.
O sistema de transporte público, principalmente de grandes cidades, enfrenta queda na quantidade de passageiros, aumento dos combustíveis, quebradeira de empresas, paralisações de serviços e, agora, a reabertura da temporada de reajuste da tarifa. O rombo no setor é bilionário, e está claro que os municípios, isoladamente, não conseguirão fazer frente a um problema tão complexo, que demanda investimentos de vulto e modernização (assim, também é hora de se falar sobre veículos elétricos).
Há expectativa de que surjam alternativas, como a proposta estudada pelo Ministério do Desenvolvimento Regional. Seria um vale-transporte para idosos e pessoas de baixa renda bancado por verba federal. Da parte dos Tribunais de Contas, a matéria merece cada vez mais atenção. Em 2018, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) editou resolução orientando as Cortes a fortalecerem a atuação com foco na mobilidade urbana.
Os tribunais podem prestar grande contribuição realizando análises econômico-financeiras, fiscalizando a qualidade dos serviços, examinando avanços tecnológicos e alternativas viáveis, além de orientarem quanto a questões técnicas e jurídicas. Nessas frentes, ajudarão a dar transparência a um tema caro à cidadania. Na Atricon, em 2022, vamos reforçar esse debate, chamando diferentes atores que possam contribuir: governos, concessionárias, usuários, parlamentares, órgãos de controle e de regulação e universidades. O transporte por ônibus atende às pessoas com menor renda, que, em regra, não têm alternativa para seu deslocamento. É nosso dever não permitir que o zumbi siga na carona.
Cezar Miola, Conselheiro Ouvidor do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul e presidente eleito da Atricon. E-mail:[email protected].
Artigo publicado originalmente em Poder 360