Rodrigo Chamoun é conselheiro presidente do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES)
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), no seu papel de garantir o equilíbrio intertemporal das contas públicas e a estabilidade fiscal intergeracional tão necessária ao crescimento sustentado do Brasil, completa vinte anos celebrando êxitos e amargando violações.
A LRF foi impulsionada pela grave situação fiscal vivida nas décadas de 1980 e 1990. A aliança foi conduzida pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso e contou com a participação de importantes lideranças parlamentares.
Na exposição de motivos do projeto, o controle do endividamento público constituía preocupação central da política econômica do Governo. O equilíbrio intertemporal das contas públicas era entendido “como bem coletivo, do interesse geral da sociedade brasileira, por ser condição necessária para a consolidação da estabilidade de preços e a retomada do desenvolvimento sustentável”.
A LRF foi concebida a partir das experiências dos Estados Unidos, da Nova Zelândia e da União Europeia. E foi exatamente com base na legislação de controle fiscal desses países que se estabeleceram as normas brasileiras de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal.
E o espírito dessa norma encontra-se descrito logo em seu artigo 1°, ao abordar, como pressuposto da responsabilidade fiscal, a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas, a obediência a limites e condições relacionadas à renúncia de receitas, geração de despesas e ao controle da dívida.
Segundo José Roberto Afonso, economista e um dos autores do texto da Lei, “o reconhecimento internacional a consagrou com uma das legislações mais austeras e de melhores resultados em Federações”.
Todavia, em períodos mais recentes, violações criminosas como contabilidade criativa, pedaladas fiscais e interpretações inventivas trouxeram profundos prejuízos à transparência e à credibilidade das contas públicas no Brasil. A consequência prática de tudo isso é que vivemos hoje em um abismo fiscal, e é justamente nele que temos que guerrear contra uma pandemia que coloca o mundo de joelhos em termos sanitários, sociais, econômicos, fiscais e humanitários.
Os países estão fazendo o que é preciso para salvar vidas e diminuir o impacto econômico. Recursos para os serviços de saúde são fortemente ampliados e muito dinheiro é direcionado para apoiar trabalhadores formais, informais e desempregados. Visando preservar empregos, medidas para aliviar restrições financeiras e de fluxo de caixa das empresas, como incentivos, postergação e diminuição de impostos são concedidas em montantes inimagináveis.
No Brasil, as ações para enfrentar a pandemia se assemelham com o que acontece mundo afora. Todavia, antes do vírus chegar aqui, as contas públicas já estavam em colapso e, quando ele se for, a situação fiscal estará ainda pior. A LRF, portanto, será um instrumento essencial para a reconstrução das finanças públicas brasileiras quando tudo isso passar. E vai passar!