Há quase sete anos era sancionada uma norma fundamental para a cidadania brasileira: a Lei de Defesa dos Direitos do Usuário de Serviços Públicos (Lei Federal nº 13.460/2017). Pela primeira vez, uma única legislação veio reunir um conjunto de garantias destinadas a assegurar ao cidadão um atendimento mais justo, cordial, preciso, eficiente e ágil na hora de se relacionar com órgãos públicos em todas as esferas institucionais. Bem antes, em 1990, o Brasil recebia o então inovador e até ousado Código de Defesa do Consumidor (a propósito, vale lembrar que o 15 de março celebra o Dia do Consumidor). Com objetivos próprios e regulações específicas, essas duas normas se comunicam fortemente na dimensão em que buscam dar efetividade a direitos fundamentais da cidadania assentados na Constituição.
A Lei nº 13.460/2017 (que demorou quase vinte anos para regulamentar texto da Emenda Constitucional nº 19/1998) prevê itens básicos ao funcionamento de uma “repartição”, como atendimento com respeito e cortesia, presunção de boa-fé do usuário, local acessível, salubre e seguro, tratamento igualitário (sem discriminações), atendimento por ordem de chegada (observando as prioridades legais a determinados grupos) e cumprimento de prazos e normas procedimentais. Uma novidade, voltada a guiar o brasileiro no conjunto de órgãos públicos: a criação da Carta de Serviços ao Usuário. A iniciativa visa estabelecer uma espécie de manual de atribuições de cada local de atendimento, com requisitos de acesso, modo de prestação das atividades, etapas e prazos.
É possível dizer que a Lei nº 13.460/2017 se tornou mais uma janela no edifício da transparência que o Brasil tem erguido nas últimas décadas, em oposição a uma espécie de cultura do sigilo durante séculos presente na esfera estatal. Compõem também essa fachada translúcida a Lei da Transparência (Lei nº 131/2009) e Lei de Acesso à Informação (Lei n° 12.527/2011), entre outras normas.
A realidade demonstra que ter uma norma sancionada não é garantia de pleno cumprimento de suas disposições. Um estudo recente, coordenado pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e pelos Tribunais de Contas da União (TCU) e de Mato Grosso (TC-MT), com a participação de todos os Tribunais de Contas brasileiros (TCs), apontou que o índice de transparência dos portais públicos do País é de 58%, considerado um percentual intermediário. A avaliação do levantamento é a de que o Brasil “ainda precisa aprimorar muito o nível de transparência na gestão pública para garantir o direito do cidadão à informação e ao fortalecimento da democracia”.
Para além da disponibilização, é essencial que as informações sejam de fácil alcance e apresentadas de forma simples, de modo que possam ser compreendidas e consumidas por qualquer cidadão. Há também espaço para ampliar o uso, nos portais públicos, de elementos gráficos (como imagens, ícones, ilustrações, tabelas e mapas) para facilitar a comunicação nos documentos técnicos. De fato, o direito visual é algo bastante recente e pouco implementado.
Na verdade, ainda hoje é possível encontrar situações nas quais o usuário precisa fazer uma peregrinação por meio de guichês, sites e ligações telefônicas em busca de orientações, enquanto é dever do Estado garantir o atendimento adequado. E a própria Lei de Defesa dos Direitos do Usuário afirma ser necessário aplicar soluções tecnológicas que visem a simplificar processos e procedimentos de atendimento. Essa jornada desnecessária imposta ao brasileiro consome tempo, recursos financeiros e paciência. E alimenta desconfiança e descrença em relação aos serviços públicos.
É por isso que o aprimoramento da legislação deve ser um trabalho constante no Legislativo, e cabe à sociedade civil ressaltá-lo. Uma busca rápida no site da Câmara dos Deputados, por exemplo, indica a existência de ao menos duas propostas de mudança na Lei nº 13.460/2017. A primeira é conceitual e busca incluir a confiança do usuário como diretriz para a prestação de serviço público. A segunda é mais certeira: busca reforçar a obrigação de concessionárias de serviços públicos, como as companhias privadas de água e energia elétrica, de cumprirem as regras legais (parece elementar, mas neste País ainda precisamos reafirmar o óbvio).
Em um momento em que, exemplificativamente, concessionárias de diferentes Estados têm recebido cobranças por problemas nas entregas devidas à população, nada mais apropriado do que debater formas de melhorar os serviços, os quais devem ser pautados por requisitos como “regularidade, continuidade, eficácia, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”. É direito legítimo da sociedade.
Cezar Miola – Conselheiro ouvidor do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) e vice-presidente de Relações Político-Institucionais da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon)
*Artigo publicado originalmente na coluna do Fausto Macedo, no Estadão.