Folha da São Paulo: “vagas em creches: planejar é preciso”

Artigo assinado pela presidente presidente-executiva do Instituto Articule, Alessandra Gotti, e pelo coordenador de conhecimento da instituição, José Mauricio Avilla Carvalho, é publicado no jornal Folha de São Paulo citando a Atricon. Leia a íntegra;

educação infantil é um direito de todas as crianças. Não são poucos, porém, os desafios que precisam ser solucionados pelas redes de ensino do país para garantir o direito à creche e à pré-escola.

O levantamento nacional “Retrato da Educação Infantil no Brasil: Acesso e Disponibilidade de Vagas“, realizado pelo Gabinete de Articulação pela Efetividade da Política da Educação no Brasil (Gaepe-Brasil) em parceria com o Ministério da Educação e outras dez instituições do poder público e iniciativas da sociedade civil, mostrou que a necessidade de expansão vai muito além da criação de mais vagas, pois esbarra na falta de diagnóstico e planejamento.

Abrimos um parêntese aqui para destacar a contribuição inestimável do sistema dos tribunais de contas (por meio da Atricon, Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil), da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), da Uncme (União Nacional dos Conselheiros Municipais de Educação) e de tantas outras entidades e pessoas na mobilização dos gestores para o levantamento —um grande exemplo de articulação e colaboração interinstitucional, que culminou na participação de todos os 5.569 municípios e do Distrito Federal.

Em relação aos dados do levantamento, o primeiro a destacar é que nada menos do que 44% dos municípios do país declararam ter fila por vagas em creches, com 632.763 solicitações de matrícula —número que pode variar, pois 7% dos municípios não fazem essa identificação. Destinada a crianças de zero a 3 anos, embora não seja obrigatória, a creche é um dever do poder público para todas as crianças que precisam, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal, em tema de repercussão geral, em setembro de 2022.

Já na pré-escola, que é obrigatória para a faixa etária de 4 e 5 anos, e cuja universalização é urgente e seu não cumprimento injustificável, 8% dos municípios declararam ter crianças fora da escola. Nesses territórios há o registro de 78.237 crianças que precisam ser incluídas na etapa —e metade delas não possui acesso por falta de vagas. E aqui o número também pode oscilar, posto que 20% das redes não fazem a identificação desses casos.

Diante do desafio do país de ampliar o atendimento, é uma boa surpresa que a maioria, 65% dos municípios, tenham plano de expansão de vagas na educação infantil. Mas preocupa que 23% dos que não têm plano declarem ter fila por vagas. Para esses municípios, é fundamental um plano de ação que ofereça apoio, formação e vincule o planejamento ao Orçamento, com cooperação federativa.

E aqui outro dado chama a atenção: 51% das redes não atuam em regime de colaboração com a rede estadual. Os estados têm um papel indutor e precisam assumi-lo juntos aos municípios, ampliando sua colaboração técnica e financeira —a exemplo de quem já o faz.

Há, ainda, um outro retrato por trás dessa fotografia da educação infantil: as crianças em maior vulnerabilidade socioeconômica são as que menos têm acesso à creche. Segundo dados publicados nesta Folha, 60% das crianças de zero a 6 anos mais empobrecidas do país (de famílias com renda mensal de até meio salário mínimo) nunca frequentaram creche ou pré-escola. Apesar disso, mais da metade dos municípios (56%) não possuem critérios de priorização da fila por vaga em creche, estratégia fundamental para a redução das desigualdades sociais.

Com esse diagnóstico, é fundamental desenvolver soluções com a coordenação do MEC e o apoio técnico e financeiro dos estados e do governo federal, e com a colaboração das demais instituições da República e da sociedade civil, para que um plano de ação possa ser posto em prática a fim de garantir o direito à creche e à pré-escola.

Em um país que possui como meta erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais, a prioridade número um deve ser a de induzir políticas de cuidado integral e promotoras de equidade na primeira infância —uma fase da vida fundamental não só para o desenvolvimento de cada criança mas também para toda uma sociedade, cujo progresso sustentável depende desse alicerce.

Alessandra GottiPresidente-executiva do Instituto Articule e coordenadora dos Gaepes (Gabinetes de Articulação para a Efetividade da Política da Educação)
José Mauricio Avilla CarvalhoCoordenador de conhecimento do Instituto Articule e articulador dos Gaepes