Alexandre Manir Figueiredo Sarquis
Há um bando persistente de agitadores na previdência social. Estão espalhados pelo Ministério, à frente de entidades, em grupos de WhatsApp, nas associações de classe, escrevendo editoriais alarmistas, em conselhos, nos Tribunais de Contas – enfim, em cada canto que se olhe, um é flagrado. Trata-se de uma turma que ignora a razão e insiste em alardear que a Previdência Social namora o colapso.
Contra essas previsões desesperadas – dizem outros – há fatos sólidos! Quais seriam estas provas? Ora, vamos a elas: i) sempre se conseguiu pagar pensões e aposentadorias – custosas, sim, mas pagas; ii) o Brasil é um país jovem; iii) o Ministério da Previdência impõe normas atuariais rigorosas para o equilíbrio do sistema. Mais: os alarmistas, no fundo, mal escondem certa aversão ao funcionalismo e às necessidades do setor público. Dissimulam seu desejo real de encolher o Estado e mitigar Direitos arduamente conquistados. Antecipam-se por demais! Se, um dia, um problema realmente surgir, muito bem, então será a ocasião de tratá-lo, conhecendo-o em sua inteireza.
Mas os alarmistas não se dão por vencidos! Retrucam: i) vivemos um bônus populacional que se encerrará em 2060, mas já estamos, desde 2020 em sua fase descendente, o que gera uma falsa impressão de suficiência para o custeio da previdência; ii) o Brasil começa a experimentar os efeitos demográficos de envelhecimento já vistos em países desenvolvidos; iii) o Ministério da Previdência acumula os papéis de regulador e de executor da política previdenciária, sendo previsível algum grau de conflito de interesses; iv) problemas que se agravam com o tempo requerem intervenção precoce e planejamento. Enfim, para esses, pensar na solvência da previdência é pensar, ao mesmo tempo, no funcionalismo atual e na sociedade futura.
É um cenário digno daquele filme “Não Olhe Para Cima”. Resta decidir quem é Meryl Streep e quem é Jennifer Lawrence, quem está certo e quem está errado, quem está bem-intencionado e quem não está. De um lado, há os que postulam que devemos alocar um naco de nossos orçamentos presentes para resolver um problema futuro, alegando que a evidência está em cálculos matemáticos de alguns – não todos – os estudiosos da matemática previdenciária. Do outro, os que preferem valorizar o que temos hoje a temer ameaças duvidosas e não comprovadas do porvir.
Enquanto isso, normas de grande impacto financeiro futuro tramitam sem impugnação nos parlamentos, e decisões judiciais razoáveis e comedidas – se considerado apenas o indivíduo para que se destinam – ostentam efeitos incalculáveis para as coletividades seguradas, e são diuturnamente exaradas.
Proponho um teste: projetemos não só um ou dois orçamentos futuros, como comanda a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas todos os orçamentos futuros em que as normas serão dotadas de efeitos, considerando todas as variáveis previsíveis, não só em valores absolutos, mas como percentuais da receita projetada de cada orçamento. Vamos exigir que na petição para inclusão de uma verba no benefício, ou de redução de tempo para concessão, se faça investigar quantos mais se encontram na mesma circunstância, fazendo o valor direto da causa ser ladeado pelo valor indireto da causa. É o que a Constituição chama de “fonte de custeio total” (artigo 195, §5º CF/88).
Acredito que ficaremos surpresos com quanto as municipalidades já comprometeram os orçamentos que vem por aí, mas posso estar errado também.
Após o Crash da bolsa americana em 1929, uma cizânia acalorada parecida surgiu entre fiscalistas (ou escola de chicago ou clássicos ou ortodoxos) e keynesianos. Os fiscalistas defendiam austeridade e cortes nos gastos públicos, acreditando que o mercado, com paciência, se autoajustaria. Keynes, em contrapartida, propunha que o governo investisse e aumentasse os gastos, mesmo amargando déficits, para reanimar a economia e restaurar o emprego.
Com o New Deal, o presidente Roosevelt adotou a visão keynesiana, e conseguiu transformar o governo em motor econômico que, investindo em infraestrutura e seguridade social, resgatou os Estados Unidos. Para os keynesianos, era o renascimento da esperança; para os fiscalistas, uma imprudência perigosa que ameaçava o equilíbrio financeiro.
Ambos os lados tinham seus argumentos, mas os keynesianos estavam corretos. Foi a época dourada para os expansionistas. John Maynard Keynes, o arquiteto do New Deal, dizia: “esse longo prazo é um guia ruim para o presente; no longo prazo, todos estaremos mortos. Economistas simplificam demais quando, em meio à tempestade, garantem que o oceano voltará à calmaria depois que a tormenta passar.” (A Tract on Monetary Reform, reimpressão 2013, p. 65)
Talvez a diferença esteja em que, naquele tempo, professores de economia – e todos os outros – de fato viviam pouco e não permaneciam como um peso na previdência social.
Alexandre Manir Figueiredo Sarquis – Especialista em Auditoria de Instituições Financeiras (UniBacen), Mestre em Economia (UnB), Doutorando em Direito Financeiro (USP). Professor de Direito Administrativo (FIPECAFI). Conselheiro-Substituto do TCE-SP.