Quais políticas públicas podem ser implementadas para enfrentar os desafios impostos pela mudança climática? Que esforços precisamos fazer para a sobrevivência da humanidade e como podemos mudar nossa abordagem para mitigar os danos iminentes? E como as Cortes de Contas podem se ajustar a essa nova realidade melhorando a qualidade dos gastos e adotando boas práticas de gerenciamento dos riscos? Essas perguntas nortearam o painel “Planejamento Urbano e Resiliência Climática”, que reuniu sete painelistas especializados em mais um seminário do IX Encontro Nacional dos Tribunais de Contas (ENTC), realizado em Foz do Iguaçu (PR)
Entre os aspectos apresentados, destacaram-se os dados sobre a tragédia recente no Rio Grande do Sul, além de números do relatório IPCC AR6 (2021), que enfatizou o aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos e seus elevados impactos socioeconômicos, principalmente em países em desenvolvimento. Ao considerar as cidades como sistemas complexos, interconectados e em constante adaptação, os especialistas ressaltaram que a resiliência climática vai além da simples prevenção de desastres. Se os alertas estão postos e as políticas públicas não estão conseguindo atender as melhorias para a sociedade na velocidade que o problema exige, os painelistas sublinharam a necessidade de então alinhar os objetivos para a adaptação climática.
Debora Sotto – Procuradora do Município de São Paulo na Prefeitura de São Paulo/CGM/CORR
Procuradora do Município de São Paulo, Debora Sotto, apresentou um panorama especialmente desafiador em que grande parte dos brasileiros (77,6% da população) vive em centros urbanos. “Dados de 2022 mostram que 90% da população ocupa uma parte muito pequena do território, o que torna ainda mais urgente o desenvolvimento da resiliência urbana”, disse. Assim, eventos extremos registrados em determinada região podem atingir um número muito grande de pessoas. Segundo ela, as cidades precisam desenvolver capacidade de se manter em funcionamento, tanto quando ocorrem eventos disruptivos (relativos principalmente ao clima), quanto aos fatores de estresse crônico.
Baseando-se em dados disponíveis em painel elaborado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que apresenta alocação de recursos para gestão de riscos ambientais entre 2012 e 2023, ela apontou para um contexto de subfinanciamento das ações de prevenção e adaptação das cidades a eventos climáticos cada vez mais intensos e frequentes. Além de graves falhas no planejamento, com apenas 390 entre os mais de cinco mil municípios brasileiros tendo desenvolvido alguma legislação sobre mudanças climáticas e apenas pouco mais de 700 dele com alguma legislação sobre mudanças climáticas. “Os Tribunais de Contas podem contribuir orientando o gasto público, contribuindo para a inclusão da questão climática, que é transversal, nas políticas públicas, e no impulsionamento da transição para a sustentabilidade”, resumiu.
Rualdo Menegat – Professor Titular do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Professor do Instituto de Geociência da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS), Rualdo Menegat organizou sua apresentação em três eixos; emergência climática; o conjunto de fatores que cooperou para o fenômeno climático observado no Rio Grande do Sul e estratégias para prevenção de riscos. Ele, que é vice-presidente científico do Foro Latino-Americano de Ciências Ambientais, começou sua fala apresentando evidências que suportam a afirmação de que o aumento de emissão de gases do efeito estufa pela atividade é um dos fatores preponderantes nas mudanças climáticas.
Na sequência, ele apresentou um estudo de caso do fenômeno climático extremo que provocou uma catástrofe no Rio Grande do Sul, apresentando o conjunto singular de fatores que resultou em um evento de impacto histórico. Segundo o professor, foi possível observar a conjunção de um evento meteorológico extremo – 800 mm de chuva em cinco dias -, características geomorfológicas do Rio Grande do Sul, onde as águas densas (com grande quantidade de sedimentos) escoaram de um planalto para vales; e não puderam desaguar no mar por um sistema que inclui lagoa e laguna, por conta de marés altas. Tudo isso intensificado pela degradação de nascentes e matas ciliares, além de falhas no sistema de infraestrutura das cidades e também na defesa civil e educação. Para o professor, o poder público deve levar em conta que planos para mitigar os efeitos de fenômenos climáticos extremos precisa levar em consideração ações educativas, em que as comunidades reconheçam os riscos que correm e saibam como agir.
Conselheiro Marco Peixoto – testemunho da situação enfrentada pelo Rio Grande do Sul
Presidente do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul (TCE-RS), o conselheiro Marco Peixoto mediou o seminário, falando brevemente logo na sequência das duas primeiras apresentações. Ele, que atuou como engenheiro Civil, contou que a sede do próprio TCE-RS foi duramente atingida e ainda não foi completamente recuperada. Antes de ceder a palavra para apresentação de casos, ele mencionou ferramenta desenvolvida pela corte de contas que ele lidera, que dá transparência aos recursos públicos investidos por todos os entes na recuperação do Estado.
Osvaldo Faria de Oliveira – Auditor Fiscal de Controle Externo do Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE-SC)
Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC), Osvaldo Faria de Oliveira apresentou levantamento realizado por aquela Corte de Contas, que registrou inação das gestões municipais frente à possibilidade de desastres causados por eventos climáticos extremos. Foi enviado questionário eletrônico com 38 questões a todos os municípios catarinenses, tendo 96% respondido completamente.
O questionário foi organizado em três eixos: existência de serviço público municipal para defesa civil, preparação do município para enfrentar desastres climáticos, e adequação do Plano Diretor ao artigo 42 da Lei 10.257/2001 (Estatuto das Cidades). Entre os principais achados, está o fato de que 13 dos 100 municípios que, à época, eram considerados área de risco, não tinham estrutura de defesa civil formalizada, e 50% daqueles não possuíam fundo municipal de proteção e defesa civil.
Bruno Mascarenhas de Silveira Ventim – Coordenador de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BA)
Coordenador de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BA), apresentou avaliação de 30 políticas públicas voltadas para as áreas de desenvolvimento urbano e mitigação de eventos climáticos extremos, no bojo de análise de contas de 2023. A metodologia aplicada utilizou o Referencial de Controle de Políticas Públicas do Tribunal de Contas da União (TCU) e observou aspectos como formulação, implementação (levando em consideração governança e planejamento e orçamento), além da avaliação das políticas públicas.
Os achados, segundo o coordenador, remetem a um cenário de baixa maturidade de implementação de políticas públicas, assim como baixa maturidade em relação à governança. Também foi observada desconexão entre instrumentos de planejamento orçamentário e as políticas públicas. “Na região onde foram observadas áreas desertificadas no Estado, não foram alocados recursos para poços e barragens. E na região há riscos de alagamento, não houve alocação de recursos para drenagem ou manejo de águas”, exemplificou.
Taciana Lopes de Souza, analista de Controle Externo do TCE-MG
A analista de controle externo do TCE-MG destacou, logo no início de sua fala, a importância de aprimorar a gestão da mobilidade urbana. Ela apresentou dados sobre a gestão da mobilidade urbana em Belo Horizonte, com foco em uma auditoria operacional realizada em 2019 na corte de contas mineira. Nas análises, a auditoria revelou falhas na execução da política de mobilidade urbana, incluindo divergências de custos e receitas durante a revisão tarifária e inconsistências nos dados de usuários cadastrados, como os 114 mil idosos falecidos com o benefício do transporte ainda ativo e mais de 12 mil idosos cadastrados sem CPF. Além disso, a BH Trans não realizava fiscalização visual da lotação dos ônibus nos horários de pico. A partir dessas descobertas, foram feitas recomendações para melhorias na gestão, resultando em mudanças significativas, como a renovação da frota de ônibus e a divulgação dos custos na prestação do serviço. “Ainda temos um caminho longo a seguir, mas ficamos felizes em perceber que, por mais que não tenhamos uma relação de causa e efeito, as indicações do tribunal tiveram efeitos e conseguimos mudanças”, finalizou.
Egle dos Santos Monteiro – Coordenadora do Observatório de Políticas Públicas do Tribunal de Contas do Município de São Paulo – TCM-SP
A avaliação da coordenadora do Observatório de Políticas Públicas do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP) é a de que “as leis são muito bem formuladas, mas, por vezes, mal aplicadas”. A declaração de Egle veio ao analisar os resultados das ações do observatório que são voltadas à redução das desigualdades sociais. Egle destacou os temas trabalhados no Grupo de Trabalho (GT) de Urbanismo, como habitação de interesse social, mudanças climáticas e mobilidade, e explicou que o foco do grupo é examinar o direito à moradia digna em São Paulo, investigando deficiências no setor, como o alto custo do aluguel e o déficit habitacional. Segundo Egle, a atuação do observatório, com a colaboração de universidades, busca aprimorar políticas públicas voltadas à habitação e complementa dizendo que “as questões de urbanismo não estão tão difundidas, precisamos conhecer este arcabouço”, afirmou.
Harmi Takiya – Assessora Técnica do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP)
Finalizando as apresentações do painel, Harmi Takiya, assessora técnica do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, apresentou um panorama sobre as mudanças climáticas, focando especialmente na drenagem do solo no município. Ela destacou que “as mudanças climáticas são uma questão matemática”, apoiada por gráficos e dados que evidenciam os impactos da evolução da ocupação habitacional sobre o solo e a permeabilidade. Harmi demonstrou preocupação com a combinação de altas temperaturas e aumento das chuvas e destacou que os gastos emergenciais para resolver os danos destes acontecimentos climáticos aumentaram, em contrapartida com gastos voltados à prevenção, que se mantiveram reduzidos. Citou que, em 2023, apenas 27% dos recursos para prevenção de inundações em São Paulo foram destinados à manutenção. Além disso, afirmou que “identificaram não correspondência entre obras planejadas (do plano diretor de drenagem) e obras realizadas”, e que os recursos da prefeitura não acompanharam as anomalias climáticas.
O IX ENTC
O IX Encontro Nacional dos Tribunais de Contas (ENTC), que acontece até 14 de novembro, em Foz do Iguaçu (PR), reúne 2 mil participantes, entre conselheiros, ministros, auditores e especialistas do setor público. A programação do evento prevê 80 atividades, 84 palestrantes e discussões relevantes sobre a inovação no controle público, transparência se o fortalecimento dos órgãos de controle.
O evento é promovido pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon) em conjunto com o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), Instituto Rui Barbosa (IRB), Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas (CNPTC), Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios (Abracom) e Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros Substitutos dos Tribunais de Contas (Audicon).
O IX ENTC tem patrocínio da Cemig, Codemge, Itaipu, ABDI, Sanepar, BID, CNI, CFC, Abralegal, Geap Saúde e Editora Fórum. O Encontro conta com o apoio institucional dos Tribunais de Contas de Mato Grosso, Santa Catarina, Rondônia, Goiás, Rio Grande do Sul, ASUR, Ampcon, ANTC e CNPGC.
A cobertura completa, incluindo fotos e apresentações dos painelistas, estará disponível no site da Atricon e no site do IX ENTC, além de ser compartilhada no Flickr.
Serviço:
IX Encontro Nacional dos Tribunais de Contas
Data: 11 a 14 de novembro
Local: Foz do Iguaçu (PR)
Programação: https://entc2024.com.br/programacao
Cobertura: https://entc2024.com.br, https://atricon.org.br e www.flickr.com/atricon.
Texto: Flávia Rezende e Heloisa Lima
Foto: Joel Arthus/TCE-AM