No último dia do IX Encontro Nacional dos Tribunais de Contas, o Painel 6, mediado por Donato Volkers Moutinho, Conselheiro-Substituto do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), abordou temas cruciais como os impactos da dívida pública, a renúncia de receitas e a sustentabilidade das políticas públicas. O procurador do MPTCU Rodrigo Medeiros de Lima, a consultora de Orçamento do Senado Federal Rita de Cássia Leal Fonseca dos Santos e a Professora da Fundação Getúlio Vargas Élida Graziane Pinto, trouxeram uma análise profunda sobre a gestão fiscal, a governança pública, os desafios do sistema tributário e a necessidade de reformas estruturais, destacando ainda os riscos da corrupção e a importância da sustentabilidade em um contexto econômico e ambiental.
Rodrigo Medeiros Lima – Procurador do Ministério Público Junto ao Tribunal de Contas da União – MPTCU
O procurador Rodrigo Medeiros Lima, do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU), iniciou sua participação no Painel 6, intitulado “Impactos da Dívida Pública e da Renúncia de Receitas na Consecução de Políticas Públicas”, com questionamentos incisivos sobre a gestão fiscal atual. Ele destacou que, atualmente, não se debate mais a existência de um déficit público, mas sim a magnitude desse problema. Segundo Lima, “o endividamento público e as renúncias de receita são instrumentos de gestão fiscal que, nem sempre, são moderados de forma adequada e, quando são, nem sempre são corretamente direcionados”. Essa realidade, conforme ele argumenta, compromete a sustentabilidade fiscal e a capacidade de financiamento de políticas e serviços essenciais.
Rodrigo chamou a atenção para um “quadro de omissão inconstitucional”, destacando que a situação vai além da simples existência de um plano insuficiente de redução de renúncias. “Não resta dúvida que há um quadro de omissão inconstitucional, agravado por costuras e decisões legislativas que contradizem o mandamento constitucional”, afirmou. Ele também ressaltou que a falta de avanço em um novo regime jurídico para as renúncias fiscais reflete um descumprimento crônico das normas que regem essas práticas. Sobre os impactos da dívida e renúncias, frisou: “Apesar de haver consenso sobre a necessidade de conter o endividamento e reduzir as renúncias, há divergências quanto a quais despesas cortar”.
Para Lima, a solução passa por uma abordagem equilibrada que considere tanto o antídoto quanto o veneno: uma metáfora que ele usa para descrever ações que, ao mesmo tempo, aliviem o problema do endividamento (o antídoto), sem criar novos riscos que comprometam as políticas públicas (o veneno).
Rita de Cássia Leal Fonseca dos Santos – Consultora de Orçamento do Senado Federal
A consultora de Orçamento do Senado Federal, Rita de Cássia Leal Fonseca dos Santos, trouxe uma abordagem contundente em sua palestra sobre a governança da dívida pública, intitulada “Do Extrativismo Institucional às Bases do Desenvolvimento”, destacando a necessidade de reformas estruturais na gestão fiscal brasileira. “O rei está nu. Nós não estamos dando conta de enxergar isso”, provocou Rita ao iniciar sua análise sobre o atual sistema de finanças públicas, chamando atenção para a dinâmica de contencionismo que prevalece no Brasil. Segundo ela, o formato vigente prioriza a entrega de metas fiscais sem resolver o verdadeiro problema da dívida pública, perpetuando um ciclo de injustiça social.
Rita destacou que a dívida pública, gerida por receitas e despesas primárias, financia o mínimo existencial da população, mas não resolve a equação fiscal de longo prazo. “Esse contencionismo no Brasil passou a ser a letra do café pequeno, o instrumento de entrega de uma meta fiscal que não equaciona o problema da dívida pública e não entregará a meta do PPA”, desabafou, frisando que essa abordagem apenas aprofunda a injustiça social.
A consultora salientou a importância de um regime fiscal e tributário que ofereça credibilidade, previsibilidade e sustentabilidade, promovendo justiça social e ampliando os investimentos. Para embasar sua análise, ela apresentou dados históricos e análises das leis de políticas públicas. “Precisamos colocar o quadro claramente e discutir as variáveis que estão e não estão sob o controle do governo, incluindo as zonas cinzentas da política monetária e cambial”, concluiu, enfatizando que só por meio de uma gestão fiscal mais integrada e coordenada poderá haver uma saída do ciclo extrativista atual.
Élida Graziane Pinto – Professora da Fundação Getúlio Vargas
A professora da Fundação Getúlio Vargas, Élida Graziane Pinto, iniciou sua palestra com uma citação impactante de Robinson e Acemoglu, do livro Por que as Nações Fracassam: “Os países tornam-se estados falidos não em virtude de sua geografia ou cultura, mas em função do legado de instituições extrativistas, que concentram o poder e a riqueza nas mãos de quem detém o controle do Estado, preparando o terreno para agitação social, conflitos e guerra civil”. A partir dessa reflexão, lançou um questionamento central: por que o Brasil, com tanto potencial, enfrenta crises recorrentes?
“A dívida pública é o grande oceano onde deságuam todas as políticas públicas. Não é possível tratar da dívida pública e apenas buscar a sua sustentabilidade do ponto de vista exclusivamente da política fiscal”, destacou Elida, chamando a atenção para a complexidade do tema. Ela explicou que, além da política fiscal, também a política creditícia, monetária e cambial são afluentes que alimentam esse oceano.
Elida demonstrou indignação ao abordar o estado atual da governança: “Estamos caminhando sem saber onde queremos chegar”, disse, apontando para a corrupção como um dos principais entraves. “A origem da corrupção não é a licitação fraudulenta, não é o contrato superfaturado. A origem da corrupção é a fragilidade do planejamento”, afirmou, enfatizando que a falta de estratégias bem definidas cria um terreno fértil para desvios e ineficiências.
Concluindo sua apresentação, Elida trouxe à tona sua preocupação com a questão ambiental, destacando que o país precisa equilibrar suas políticas econômicas com uma visão sustentável. “Sem um compromisso real com a sustentabilidade, estaremos comprometendo não apenas o presente, mas o futuro de gerações”, alertou, reafirmando que o caminho para a mudança requer responsabilidade e planejamento sólido em todas as esferas de atuação pública.
O IX ENTC
O IX Encontro Nacional dos Tribunais de Contas (ENTC), foi realizado de 11 a 14 de novembro, em Foz do Iguaçu (PR), e reuniu 2 mil participantes, entre conselheiros, ministros, auditores e especialistas do setor público. A programação do evento contou com 80 atividades, 84 palestrantes e discussões relevantes sobre a inovação no controle público, transparência e o fortalecimento dos órgãos de controle.
O evento foi promovido pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon) em conjunto com o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), Instituto Rui Barbosa (IRB), Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas (CNPTC), Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios (Abracom) e Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros Substitutos dos Tribunais de Contas (Audicon).
O IX ENTC teve patrocínio da Cemig, Codemge, Itaipu, ABDI, Sanepar, BID, CNI, CFC, Abralegal, Geap Saúde e Editora Fórum. O Encontro conta com o apoio institucional dos Tribunais de Contas de Mato Grosso, Santa Catarina, Rondônia, Goiás, Rio Grande do Sul, ASUR, Ampcon, ANTC e CNPGC.
A cobertura completa, incluindo fotos e apresentações dos painelistas, está disponível no site da Atricon e no site do IX ENTC, e foi compartilhada no Flickr.
Serviço:
IX Encontro Nacional dos Tribunais de Contas
Data: 11 a 14 de novembro
Local: Foz do Iguaçu (PR)
Programação: https://entc2024.com.br/programacao
Cobertura: https://entc2024.com.br, https://atricon.org.bre www.flickr.com/atricon
Texto: Flávia Rezende
Foto: Braulio Ferraz