João Antonio da Silva Filho
Em um mundo cada vez mais instável, é necessário cultivar a lucidez para compreender os caminhos da existência. A vida não se desenrola de forma linear nem oferece garantias. Como já se disse com certa ironia filosófica: o mundo não dá voltas — o mundo capota. A metáfora é contundente, mas eficaz. A existência humana se assemelha a uma estrada sinuosa, onde cada curva esconde um desafio e cada obstáculo superado revela uma nova aprendizagem. Esta percepção não deriva de uma visão pessimista da vida, mas de um realismo lúcido diante da condição humana. Viver, afinal, é enfrentar o imprevisto, é administrar a tensão constante entre aquilo que desejamos e aquilo que, de fato, nos acontece.
Na vertigem do cotidiano, raramente nos permitimos uma pausa para refletir sobre as complexidades do existir ou as consequências de nossas ações. Aristóteles já nos lembrava que o ser humano é, por natureza, um animal político, um ente gregário. Contudo, viver em sociedade requer habilidades que muitas vezes passam despercebidas. Em sua doutrina da mediania, o filósofo nos adverte que entre os extremos não há um ponto fixo, mas um campo ético que exige discernimento. O equilíbrio não se encontra num meio-termo mecânico, mas na justa medida que a situação requer. Assim, a vida, em sua pluralidade de circunstâncias, exige não apenas sabedoria para escolher, mas também prudência nos meios empregados para alcançar os objetivos. É no agir — mais do que no desejar — que reside o risco do desvio.
O nosso tempo é marcado por uma instabilidade multifacetada: polarização política crescente, uma revolução tecnológica que reconfigura o presente e torna o futuro nebuloso, e uma concentração de renda sem precedentes. Em contextos assim, até as certezas mais básicas se tornam voláteis. Vivemos sob o signo da incerteza, em meio a tensões inesperadas e horizontes difusos. Nessas circunstâncias, o desespero não serve como guia. Somente o equilíbrio, cultivado com lucidez, pode nos oferecer alguma direção em meio ao caos.
A vida não nos conduz, por si só, a um destino previamente traçado. O ponto de chegada é sempre o resultado das escolhas que fazemos e das atitudes que tomamos. Ninguém chega a lugar algum pela simples força da inércia. E, mesmo quando se chega, o processo de adaptação pode ser exigente. Quando, no entanto, se caminha com discernimento, determinação e planejamento, o percurso tende a ser menos tortuoso — e mais significativo.
É nas diferenças que se encontra o convite à composição e à convivência. São os desejos que nos impulsionam a caminhar, e são os desafios que exigem de nós coragem, altivez e superação. O futuro, com sua carga de incerteza, intervém no presente, e é através dessa intervenção que modulamos o porvir. A história, afinal, não se escreve por fatalismo, mas por movimento — e o movimento nasce do impulso, da busca e da pergunta.
Quando nos convencemos de que já sabemos tudo ou deixamos de questionar, a vida perde seu dinamismo e empobrece em vitalidade. O questionamento é, por excelência, uma forma de resistência ao conformismo — e é justamente ele que nos impulsiona a seguir adiante. São as expectativas que movem a roda da história. Afinal, que sentido teria a existência humana se o presente não fosse mais do que uma fotografia estática do futuro?
João Antonio da Silva Filho é conselheiro do TCM-SP e vice-presidente da Atricon