Flávia Rezende, do TCE-AM
Beatriz Pompeia, da Atricon
A tecnologia como aliada do controle externo deu o tom das apresentações na sala dedicada à gestão de pessoal durante o segundo dia de programações do 3º Laboratório de Boas Práticas dos Tribunais de Contas (LabTCs), em São Paulo. Quatro tribunais mostraram como estão enfrentando desafios como volume excessivo de processos, falta de estrutura nos dados e lentidão na tramitação com soluções inovadoras baseadas em automação, inteligência artificial e reestruturação de fluxos.
Abrindo o painel, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) apresentou a Ferramenta Automatizada de Triagem e Instrução Massiva de Aposentadorias (Fatima), que reduz drasticamente o tempo de análise de aposentadorias, e o Sistema de Indícios de Irregularidades (Sisind), que cruza informações da folha com bases externas para detectar irregularidades. Na sequência, o Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro (TCMRio) trouxe sua experiência de digitalização completa da jornada do servidor, com auditorias automatizadas desde o concurso até a pensão. Fechando o painel, o Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE-GO) detalhou o Sistema de Atos de Pessoal (SIAP), que organiza o envio de atos de pessoal com inteligência automatizada e já gerou redução significativa nos prazos e aumento da qualidade da análise.
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Ferramenta Automatizada de Triagem e Instrução Massiva de Aposentadorias (Fatima) – TCE-RJ
Abrindo a sequência de apresentações da sala, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) destacou a experiência com a Fatima, sistema desenvolvido para agilizar a análise de processos de aposentadoria.
De acordo com o auditor Fábio Vasconcelos Fernandes, responsável pela apresentação, a ferramenta foi pensada para enfrentar a alta demanda da área de atos de pessoal e vem transformando o trabalho da 3ª Coordenadoria de Atos de Pessoal do TCE-RJ. “A Fatima revolucionou a nossa forma de tratar os ativos no Tribunal. Antes dela, a gente recebia os processos digitalizados, mas ainda sem inteligência por trás. Hoje temos um sistema que confronta dados, aplica regras legais e entrega consistência”, afirmou.
O sistema realiza uma triagem automatizada com base em mais de 300 regras parametrizadas, verificando requisitos como idade mínima, tempo de contribuição, natureza da atividade exercida e marcos legais vigentes. Desde dezembro de 2023, mais de 8 mil processos foram instruídos pela Fátima, com tempo médio de análise reduzido para 58 dias. Além disso, o sistema gera modelos automáticos de instrução e ofício saneador e permite gestão do acervo via BI.
Fábio também ressaltou o potencial de evolução da ferramenta com o uso mais profundo dos dados digitalizados: “A Fatima tem futuro para batalhar nessa frente. Com essa questão agora da leitura dos PDFs, a gente vai poder acessar o conteúdo dos autos e verificar a coerência entre o que foi digitalizado e o que está lançado. Isso abre caminho para fazer cruzamentos com bases externas e dar mais robustez à análise”.
Sistema de Indícios de Irregularidades (Sisind) – TCE-RJ
A segunda boa prática apresentada na sala também foi do TCE-RJ. Eduardo Gil da Silva, coordenador-geral de Pagamento de Pessoal da Corte fluminense, apresentou o Sistema de Indícios de Irregularidades (Sisind), ferramenta desenvolvida para monitorar e cruzar dados da folha de pagamento dos jurisdicionados com bases internas e externas, gerando alertas de possíveis irregularidades de forma automatizada.
“Folha de pagamento extrapola a capacidade humana de análise. Não cabe mais ao auditor fazer esse trabalho manualmente”, afirmou Eduardo Gil. Segundo ele, o Sisind surgiu da necessidade de modernizar a fiscalização e dar resposta mais ágil a problemas recorrentes, como pagamentos indevidos, acúmulos irregulares de cargos, extrapolação de tetos remuneratórios, pensões indevidas e até pagamentos a pessoas já falecidas.
O sistema recebe periodicamente os dados de pessoal dos órgãos jurisdicionados e os submete a uma série de análises com base em regras internas e externas.
Eduardo citou como exemplo um caso real no qual foram detectados 400 indícios de acumulação indevida em um único processo, que tramitava havia mais de uma década. Com o Sisind, esse tipo de problema pode ser identificado e devolvido ao jurisdicionado com mais rapidez e eficácia.
Entre os benefícios alcançados com esta iniciativa, é possível destacar que a automação também permitiu realocar os auditores para atividades que exigem presença técnica mais qualificada. “A gente lidera um auditor para fazer a auditoria que de fato precisa da presença dele. O sistema cuida do resto”, completou. A experiência foi destacada como exemplo de como o uso inteligente de dados pode transformar o controle externo.
Automação da Fiscalização de Atos de Pessoal – TCMRio
A terceira boa prática foi apresentada pelo Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro (TCMRio), com a exposição do auditor Heron Alexandre Moraes Rodrigues, da 5ª Inspetoria Geral de Controle Externo. O projeto mostrou como a Corte implementou a automação na fiscalização de atos de pessoal, com foco na digitalização completa da jornada do servidor — desde a admissão por concurso público até a aposentadoria e a eventual pensão.
Segundo Heron, o setor de pessoal do Tribunal lidava com um universo de mais de 215 mil vínculos e um gasto mensal de R$ 1,2 bilhão, mas até pouco tempo todas as informações ainda eram tratadas em papel. “A gente recebia as admissões com cópias físicas e fazia as checagens manualmente, cruzando documentos com listas de concurso. Não havia auditoria sistemática da folha de ativos”, explicou. Ao assumir o setor, a equipe decidiu sair do papel e investir em sistemas que dessem conta da complexidade e do volume de dados.
A estratégia adotada foi mapear toda a trajetória funcional do servidor, desde a publicação do concurso no Diário Oficial até a aposentadoria, criando ferramentas específicas para cada etapa: análise digital de concursos, verificação da legalidade das admissões, auditoria da folha de ativos, análise das aposentadorias e fiscalização das pensões.
O projeto também envolveu a construção de uma estrutura própria de checagem baseada nas leis vigentes para cada categoria funcional. “A gente precisava saber se aquele servidor realmente trabalhou 30 anos, se houve faltas ou licenças, se o provento indicado era condizente com a folha real. Com os sistemas, conseguimos fazer essa validação com segurança”, completou.
Sistema de Atos de Pessoal (SIAP) – TCE-GO
Encerrando as apresentações da sala, o Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE-GO) apresentou o Sistema de Atos de Pessoal (SIAP), uma iniciativa voltada para tornar mais ágil e eficiente a análise de aposentadorias e outros atos relacionados à gestão de pessoas. A explicação foi conduzida pelo auditor de controle externo Marcelo Augusto Pedreira Xavier, chefe do Serviço de Análise de Recursos da Gerência de Fiscalização de Atos de Pessoal do TCE-GO.
Segundo Marcelo, os processos costumavam chegar ao Tribunal sem estrutura adequada, em arquivos digitais difíceis de ler ou calcular. Para enfrentar esse cenário, o TCE-GO organizou um fluxo de etapas, com preenchimento de dados diretamente pelos órgãos de origem. “Ao invés de receber só mais um papel eletrônico, cheio de PDFs, construímos uma sequência de passos e documentos que alimentam uma base de dados. A partir disso, o sistema já entrega ao jurisdicionado uma série de críticas e validações”, explicou.
Com o novo sistema, o tempo médio para análise técnica de aposentadorias caiu de 405 para 144 dias, e o prazo total até o julgamento foi praticamente reduzido pela metade. Mais de mil ocorrências foram detectadas automaticamente. Outro avanço foi a comunicação mais ágil. “Reduzimos de 300 dias para 30 dias o prazo médio para resposta de solicitações de informação. Evitamos mais de 150 diligências com o uso do SIAP”, afirmou o auditor.
Apesar dos avanços, Marcelo reconheceu que a mudança ainda tem muitos desafios: “é necessário começar antes mesmo de qualquer sistema, mapeando e documentando padrões e procedimentos. É uma mudança de cultura, e ela precisa ser conduzida com planejamento”, concluiu.
O LabTCs
O LabTCs tem origem no Marco de Medição de Desempenho dos Tribunais de Contas (MMD-TC), que avalia e destaca boas práticas no âmbito dos órgãos de controle. A partir do mapeamento, são selecionadas experiências que demonstram impacto positivo na eficiência, transparência e modernização da administração pública para serem apresentadas durante o evento.
A iniciativa visa incentivar a implementação de boas práticas em diferentes contextos institucionais e promover discussões sobre tendências, técnicas e soluções inovadoras para aprimorar a atuação dos TCs.
O evento é uma realização da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), em parceria com o Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP) e com o Instituto Rui Barbosa (IRB), e conta com o apoio do Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas (CNPTC), da Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros Substitutos dos Tribunais de Contas (Audicon), da Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios (Abracom), da Associação de Entidades Oficiais de Controle Público do Mercosul (ASUR) e do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (TCM-GO).