João Antonio
O egoísmo é um traço inerente ao ser humano, que em alguma medida todos carregamos. Mas quando ele transborda e se transforma em comportamento dominante, capaz de colocar interesses individuais acima das necessidades coletivas, passa a ser um grande veneno social. O que deveria ser exceção acaba virando regra, e isso tem custado caro ao nosso país.
Vivemos tempos em que o individualismo ganha força, contaminando relações pessoais, decisões políticas e, sobretudo, escolhas econômicas. É fácil perceber isso ao observar o recente debate sobre justiça fiscal no Brasil. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, resumiu bem a questão ao dizer que “a turma que mora na cobertura precisa começar a pagar o condomínio na mesma proporção do seu padrão de vida.” Em outras palavras, quem tem mais deve contribuir mais para o financiamento dos serviços públicos, ajudando a equilibrar as contas e melhorar a qualidade de vida de todos.
Essa é a base de qualquer sistema tributário justo: a progressividade. Significa que os impostos devem pesar mais sobre quem ganha mais, preservando o poder de compra e as condições mínimas de bem-estar para quem ganha menos. É um princípio simples, mas que enfrenta enorme resistência de uma minoria poderosa.
A recente ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda vai beneficiar milhões de brasileiros. Com a mudança, quem ganha até cinco mil reais mensais não precisará mais pagar IR. Estima-se que, apenas em 2025, cerca de dez milhões de pessoas deixarão de pagar. Somando aos dez milhões que já haviam sido beneficiados pelas medidas adotadas em 2023 e 2024, são cerca de vinte milhões de trabalhadores que passaram a ter mais folga no orçamento. No total, nove em cada dez brasileiros que hoje pagam Imposto de Renda terão isenção total ou parcial.
Porém, para viabilizar essa e outras políticas socialmente justas, é necessário que aqueles que concentram maior renda e patrimônio aceitem contribuir um pouco mais. Um exemplo concreto seria o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) incidente sobre grandes transações de câmbio, operações financeiras de alto valor e investimentos especulativos. Estamos falando de cerca de 150 mil pessoas muito ricas no país que, ainda assim, resistem de forma feroz a qualquer ajuste que ameace seus privilégios.
É aí que o egoísmo se revela devastador. Não se trata apenas de proteger a própria riqueza, mas de fazê-lo às custas do sacrifício de milhões de brasileiros que dependem de saúde, educação, segurança pública e políticas sociais. Essa recusa em colaborar com o custeio das políticas públicas mina a solidariedade que deveria sustentar a convivência em sociedade.
O combate a esse tipo de egoísmo é, antes de tudo, uma luta por consciência coletiva. A função do Estado é organizar a vida em comum, garantindo direitos básicos e oportunidades para todos. Para isso, é indispensável que quem está no topo contribua de maneira proporcional ao que possui. Não é uma questão de caridade; é uma questão de justiça.
É preciso lembrar que ninguém prospera isoladamente. Por mais talento e esforço que alguém tenha, o sucesso individual também depende de estradas, escolas, hospitais, segurança, energia e transporte — todos mantidos pelos tributos pagos pela sociedade. Quando os mais ricos se recusam a cumprir sua parte, não estão apenas protegendo o próprio patrimônio: estão condenando o país a permanecer num ciclo de desigualdade e atraso.
Por isso, precisamos resistir a esse egoísmo que, se não for contido, seguirá devastando nossas esperanças de uma sociedade mais equilibrada, solidária e digna para todos.
João Antonio é conselheiro do TCM-SP e vice-presidente da Atricon