Valdecir Pascoal
“O que não se mede, não se controla.” A máxima, tão conhecida na administração, aplica-se com ainda mais força aos gastos públicos — inclusive, e talvez sobretudo, àqueles que não aparecem formalmente no orçamento como despesa, mas que produzem expressivos impactos fiscais. Refiro-me às renúncias de receitas, sendo os incentivos fiscais — ou gastos tributários — o seu exemplo mais emblemático.
Nos últimos anos, diante da crescente demanda por serviços públicos, da histórica limitação das receitas e da dificuldade de ampliar a já elevada carga tributária, o debate sobre os gastos tributários ganhou centralidade. Trata-se de decisões governamentais — legítimas, em regra — de abrir mão de parte do que seria legalmente arrecadado em nome de relevantes objetivos econômicos e sociais. Não é de hoje que tais renúncias são utilizadas como instrumentos de política pública. Desde os tempos coloniais, o Estado, considerando as singularidades de setores estratégicos da economia, concede benefícios ao setor privado — isenções, anistias, subsídios, créditos, desonerações e imunidades — com a expectativa de estimular o desenvolvimento, atrair investimentos, gerar renda, aumentar a produtividade e criar empregos.
O desafio, no entanto, é que, ao contrário das despesas diretas, esses incentivos muitas vezes escapam do radar da sociedade e dos instrumentos de controle. Faltam, não raro, transparência, dados atualizados, mecanismos de monitoramento e, sobretudo, avaliações que comprovem seu real impacto social e econômico — sua efetividade — e aderência ao interesse público.
Nesse contexto, o novo TomeConta, portal desenvolvido pelo Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) — já destacado em artigo anterior por ocasião de seus dez anos —, traz uma importante novidade: um painel interativo e de acesso público com informações detalhadas sobre as renúncias de receitas do Estado. Mais à frente, os maiores municípios pernambucanos também integrarão o painel, que pode pode ser acessado em: tomeconta.tcepe.tc.br.
O tema não é apenas local. Em âmbito nacional, os números impressionam. As renúncias fiscais federais saltaram de R$300 bilhões, em 2018, para cerca de R$500 bilhões em 2024, o que representa aproximadamente 5% do PIB nacional. Valores que superam, por ampla margem, os orçamentos anuais de ministérios estratégicos como os da Saúde e da Educação. Nos Estados, a tendência é semelhante. Em muitos deles, os incentivos fiscais relacionados ao ICMS atingem cifras relevantes, com impactos diretos sobre a receita disponível e, portanto, sobre a capacidade de investimento e custeio.
Em Pernambuco, por exemplo, a renúncia fiscal para 2024 é da ordem de R$8 bilhões — o equivalente a 3% do PIB estadual —, valor superior ao orçamento de algumas secretarias reunidas. Para efeito comparativo, a Secretaria de Educação do Estado executou, no mesmo ano, R$7,76 bilhões. As renúncias estaduais só perdem em montante para os gastos em saúde e os encargos gerais, como previdência e o pagamento da dívida pública. Todos esses dados estão agora disponíveis no TomeConta, resultado também, vale o registro, da colaboração da própria gestão estadual, por meio da Secretaria da Fazenda.
Importa reforçar: não se está negando a relevância dos incentivos e benefícios fiscais. Ao contrário, reconhece-se que são, em princípio, instrumentos legítimos de política pública. O que se propõe é que sejam tratados com o mesmo rigor e grau de accountability que se exige para os gastos orçamentários diretos: com transparência, fundamentação, monitoramento contínuo, avaliação de impactos, prestação de contas e, se necessário, revisão e readequação. Em suma, que cada real “renunciado” possa retornar à sociedade na forma de mais desenvolvimento e mais justiça social.
A Constituição Federal atribui aos Tribunais de Contas o dever de fiscalizar receitas e despesas públicas — o que inclui, naturalmente, os valores que o Poder Público abre mão de arrecadar. A Lei de Responsabilidade Fiscal, em vigor desde 2000, estabelece critérios e condicionantes para a concessão desses benefícios e delega aos Tribunais a verificação de seu cumprimento.
Embora o tema ainda demande aprofundamentos, especialmente quanto à efetividade e aos resultados dos programas de benefícios fiscais, a tendência nacional aponta para um novo paradigma. A recente reforma tributária (EC 132/2023) delineia um processo gradual de racionalização dessas renúncias, com novos marcos e restrições (tema para outra reflexão).
Nesse ambiente de transformação, o novo painel do TomeConta representa um passo relevante: amplia o grau de transparência sobre as renúncias de receitas do Estado e reafirma o papel do TCE-PE como indutor de boas práticas, promotor da cidadania ativa e guardião da boa governança pública.
Valdecir Pascoal é presidente do TCE-PE e ex-presidente da Atricon