A atuação dos TC’s na integridade e no desenvolvimento

Edilson Silva

A busca pelo crescimento e desenvolvimento econômico tem sido um alicerce condutor das ações governamentais em praticamente todas as democracias modernas. O motivo de tal ambição ser perseguida é o fato de que, em quase todos os países, o sucesso do bem estar social está creditado ou atrelado a um melhor alcance ou desempenho econômico, o que não deixa de ser verdade. Afinal, uma melhor acumulação de capital público tem enorme potencial para atender às demandas impostas pela sociedade através da alocação de investimento hábil a fornecer dignidade aos indivíduos quando proporcionam a estes maior equidade e justiça social.

A razão dessa reflexão é que é impossível dissociar os objetivos da República Federativa do Brasil (v. art. 3º, da CF/88), como, por exemplo, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária ou a diminuição das desigualdades sociais e regionais, dos aspectos econômicos. Por tal motivo, o sistema de controle externo vem historicamente se pautando por atuações – dentro de sua jurisdição – que demonstram pertinência temática com a dinâmica econômica e a mensuração da riqueza. Análise de orçamentos, indicadores fiscais de despesa de pessoal, dívida pública ou o alcance de metas fiscais estão dentro do escopo dos Tribunais de Contas, pois é sabido que o ente demasiadamente equilibrado em termos financeiros é capaz de ter recursos que possam contribuir para o bem-estar.

Portanto, o sistema de controle externo tem um grande rol de atuação por meio de ferramentas, procedimentos ou instrumentos de fiscalização, possuindo, como espectro, objetos de sindicância que possam ser avaliados monetariamente. Dessa maneira, as análises prévias de editais de licitação, as auditorias financeiras visando o suporte à análise do parecer prévio de contas do governo e as inspeções sobre aplicação de convênios ou análise de renúncia de receitas são instrumentos adequados para resguardar os recursos públicos destinados a atender às demandas impostas pela sociedade.

Agora surgem duas perguntas chave: existe aspecto não monetário que pode ser instrumento de crescimento e desenvolvimento econômico? E, caso a resposta seja afirmativa, como o sistema de controle externo deve atuar nessa perspectiva? Para responder a tais perguntas, trago aqui um ativo importante para a sociedade, que é a “integridade nas relações negociais”.

A integridade em qualquer transação (seja ou não governamental) é um importante elemento de desenvolvimento econômico, pois traz consigo um aspecto de confiança e um ambiente mais propício para a geração de riqueza. Não se trata aqui de verificar se entes governamentais estão atendendo, por exemplo, aos princípios da moralidade ou impessoalidade, pois estes já são cotejados com frequência pelos Tribunais de Contas quando sindicam atos e contratos na perspectiva da legitimidade.

Pretende-se trazer para a reflexão se o sistema de controle externo possui a pertinência ou as ferramentas necessárias para verificar se entes públicos estão procedendo ao fomento à integridade negocial nas relações comerciais. Desta maneira, quanto à pertinência de atuação, parece incontroverso que o sistema de controle externo pode verificar e atuar no levantamento dos esforços governamentais em promoção da integridade dos negócios. Tal afirmação decorre do fato de que entender ou incentivar a integridade na relação de negócios é um desafio necessário, emergente e atende um movimento global. A compra de carne para merenda escolar decor- rente de criação bovina em área de preservação natural invadida ilegalmente, a aquisição de produtos hortifruti oriundos de produtores que usam mão de obra de traba- lho escravo ou a contratação de empresas que adotam práticas corriqueiras de assédio moral ou sexual, são situações possíveis de ocorrer e que não devem ser to- leradas, ainda que tais organizações entreguem preço, prazo e qualidade estipulada. Desta forma, atores negociais – ao realizarem relações empresariais – não podem ser tolerantes com transgressões éticas sob pena de estas causarem prejuízos reputacionais e levarem, assim, à perda de credibilidade, algo que não agrega valor ao processo de crescimento econômico em virtude da diminuição de competitividade e de confiança.

Dito isso, e ciente dos impactos que a ausência de integridade nas relações negociais pode ter nas atividades econômicas, o sistema de controle externo deve buscar se aperfeiçoar para avaliar as políticas públicas de fomento à integridade pelos governos de todos os níveis. Aqui elenco duas razões que legitimam os Tribunais de Contas a verificarem a efetividade dos esforços governamentais em políticas de fomento à integridade na relação de negócios.

A primeira diz respeito à possibilidade de verificar a existência de uma estrutura de regulação estatal de incentivo à integridade negocial. Tal fato existe em razão da atuação normativa do Poder Público ao construir que- sitos parametrizáveis, tais quais os dispostos no Foreign Corrupt Practices FCPA (1977) e U.K. Bribery Act (2010), nos Estados Unidos e Reino Unido, respectivamente, bem como aqueles presentes na Lei anticorrupção brasileira (Lei n. 12.846/13). Nesse sentido, a evidenciação desse esforço de construção normativa e a sua efetividade são ações passíveis de verificação pelo sistema de controle externo.

Como segundo ponto, também é elemento de motivação para as Cortes de Contas atuarem nessa seara o fato de que, no Brasil, existem entes que possuem participação significativa nos mercados nacionais. Essa participação pode ser aproveitada e, de alguma forma, já está sendo, haja vista que as compras e licitações públicas efetuadas têm cobrado a existência de um programa de integridade de seus fornecedores (licitantes) através de regulamentação local.

Portanto, em relação ao tema da integridade pública, devido à baixa quantidade de instituição de mercado que em algumas localidades não a enxergam como vantagem competitiva, o poder público ainda é a organização que mais vai impactar na vida das pessoas por meio de uma gestão ética, em especial quando dotada de programas de integridade efetivos.

Por fim, os Tribunais de Contas devem estar atentos a essa demanda cada vez mais emergente pelo motivo de que os governos irão promover políticas públicas de fomento à integridade, criando a necessidade de avaliar tais políticas. Como exemplo de política que poderia ser adotada e passível de avaliação por parte do sistema de controle externo, pode-se citar a eventual exigência, condicionada para o recebimento de transferência de receitas legais e voluntárias, de que determinados entes tenham programas de integridade criados e em implantação.

Com efeito, o sistema de Controle Externo pode definir um escopo de atuação na área da integridade, tendo em vista ela ser uma demanda global e de pressuposto de maior incremento no desenvolvimento econômico.

Edilson Silva é conselheiro do TCE-RO e presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon)

* Artigo originalmente publicado Achados de Auditoria, periódico editado pelo Sindicato de Auditores de Controle Externo do TCE-RS