A LRF e os Tribunais de Contas
A situação de quase insolvência que aflige diversos governos estaduais expõe um quadro dramático de desequilíbrio fiscal prolongado, agravado pela queda de receita decorrente da crise econômica e, frequentemente, por ‘licenças heterodoxas’ com que gestores se permitiram avançar os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Na busca de reduzir o risco real de desagregação em cascata das finanças públicas de várias unidades federativas, e, especialmente, de restaurar a efetiva supremacia da LRF, livrando-a das muitas interpretações criativas, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) articula-se com os Tribunais de Contas dos Estados para harmonizar a interpretação da lei e prevenir desequilíbrios fiscais à frente.
Embora suscitada pela urgência decorrente da gravidade da crise fiscal, a convergência entre o STN e os TCEs aponta para a construção de uma parceria técnica consistente, capaz de unificar diferentes metodologias adotadas nos Estados para calcular o tamanho de suas despesas com pessoal.
Em vigor há quase duas décadas, a LRF (Lei Complementar nº 101/2000) estabeleceu padrões rígidos para a gestão de recursos e definiu limites para os gastos públicos, em todas as esferas de governo.
Contudo, ao longo dos anos foram adotadas diferentes interpretações dessa lei, algumas em claro desacordo com ela, outras, as consideradas criativas, identificando janelas, ou brechas, pelas quais se insinuavam alternativas para o fechamento formal de contas públicas.
Ao longo de todo esse processo, os TCEs não transigiram ante sua responsabilidade constitucional de fiscalizar o cumprimento da LRF por Estados e Municípios, embora, em muitos casos, a alegada fundamentação jurídica de saídas criadas por entes jurisdicionados tenham inibido ação pronta e direta das cortes de contas para conter e punir transgressões.
Portanto, não procedem as alegações de alguns que tentam vislumbrar condescendência ou tolerância dos tribunais de contas diante das tais opções criativas adotadas em diferentes instâncias de governo – incluindo todos os Poderes – para demonstrar cumprimento formal da LRF.
Absolutamente empenhadas em prevenir, fiscalizar e punir transgressões à correta e eficaz aplicação dos recursos públicos, as cortes de contas, no caso específico da LRF, foram confrontadas com uma série de interpretações que, principalmente no que diz respeito à composição dos gastos com pessoal, gerou um emaranhado jurídico que só agora, ao que parece, será enfim deslindado.
Neste sentido, o empenho da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) em estreitar as relações com os TCEs, na busca de estabelecer metodologia convergente para o cálculo dos indicadores fiscais dos Estados e Municípios, reconhece a eficiência técnica e a competência institucional das cortes estaduais, também no que diz respeito à LRF.
Como bem observou Mansueto Almeida, titular da STN, aquele órgão “não tem qualquer ingerência nem sobre os Tribunais de Contas nem sobre o relacionamento deles com os governadores.”
Por isso mesmo, a pronta e total disposição dos TCEs em participar ativamente do esforço para estruturar uma interpretação orgânica, única, sobre o que é ou não despesa de pessoal, expressa o empenho das cortes de contas pelo efetivo cumprimento da LRF.
Sem as tais soluções criativas que têm conferido roupagem de legalidade a autênticas maquiagens de gastos públicos com pessoal.
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*Iran Coelho das Neves é presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.