A pós-verdade e suas consequências na sociedade contemporânea

João Antonio

“Vivemos na era da pós-verdade. O termo, um neologismo, descreve uma realidade em que os fatos objetivos têm menos influência sobre a opinião pública do que os apelos emocionais e as crenças pessoais.”

Estava aqui pensando: por que a mentira está sendo normalizada nos tempos contemporâneos? Fato é que a realidade já não se impõe, enquanto a subjetividade se dilui em um querer que existe apenas para os outros. O “eu” imaginário, por sua vez, faz do prazer individual a negação do todo social. Em outras palavras, o individualismo domina todas as cenas do mundo real, levando a um abandono completo da caminhada conjunta. É o ser absoluto negando o dever ser.

Vivemos na era da pós-verdade. O termo, um neologismo, descreve uma realidade em que os fatos objetivos têm menos influência sobre a opinião pública do que os apelos emocionais e as crenças pessoais. Mas a pós-verdade não é apenas a supremacia da emoção sobre a razão. Ela é também a dissolução do próprio conceito de verdade, transformando-a em um produto moldado pelo desejo, pela conveniência e pela repetição. A verdade já não precisa corresponder aos fatos — basta que seja aceita, reproduzida e amplificada.

Essa dinâmica se impõe com ainda mais força na era das redes sociais. Nesse espaço, tudo é feito para mostrar, aparecer, lacrar — pouco importando a relação do publicizado com a realidade. A “verdade”, nesse contexto, se torna mero convencimento por insistência, não pela correspondência com o real. A ciência cede lugar à sensação; a experiência vivida é substituída pelo desejo. O conteúdo profundo já não desperta sequer curiosidade, e o visual assume o lugar da reflexão — é o irreal colonizando a subjetividade humana, uma espécie de ópio que adormece a consciência.

Esse momento histórico é desafiador. Vivemos como se estivéssemos em um baile onde o DJ é incontornável, e somos obrigados a dançar conforme a música, sem nenhuma capacidade de influenciar o ritmo. Quero dizer: a lógica imposta pelos algoritmos nos força a aderir à banalização do conteúdo. Para sermos ouvidos ou lidos, precisamos transformar tudo em espetáculo, em vídeos curtos e impactantes, onde a estética sobrepõe a substância. A superficialidade se torna a regra do jogo.

O mais inquietante é que, ao nos adaptarmos a essa lógica para sermos notados, acabamos, ainda que involuntariamente, reforçando a própria pós-verdade. O real se torna relativo, a verdade se torna flexível, e o conhecimento se dissolve no efêmero.

Resistir à ditadura dos algoritmos sem nos tornarmos irrelevantes no debate público exige uma ação conjunta entre Estado e sociedade. É fundamental que as políticas públicas e a regulação das plataformas digitais garantam que os interesses econômicos das Big Techs não se sobreponham à solidariedade e ao bem comum. O modelo atual, onde o engajamento e a permanência dos usuários são maximizados a qualquer custo, precisa ser reformulado para equilibrar interesses empresariais e responsabilidade social. Isso significa criar mecanismos que incentivem conteúdos de qualidade, promovam o pensamento crítico e reduzam a influência de informações enganosas ou manipuladas, evitando que a lógica da superficialidade e do espetáculo continue a corroer o espaço público e o próprio conceito de verdade.

Resgatar o valor do conhecimento e da verdade em um tempo em que ambos parecem dispensáveis passa, necessariamente, por uma regulação transparente dos algoritmos e dos conteúdos que eles impulsionam. As redes sociais não podem ser guiadas apenas pelos interesses privados de seus proprietários, mas devem ser estruturadas de forma a servir também ao interesse público. Para isso, é essencial exigir maior transparência sobre os critérios de recomendação, evitar a amplificação de desinformação e garantir que os usuários tenham controle sobre o que consomem. Estamos vivendo uma revolução tecnológica acelerada — a revolução da inteligência artificial — e suas consequências podem ser tão profundas quanto as das grandes revoluções históricas. Ou agimos agora para garantir que essa transformação fortaleça a democracia e o conhecimento, ou veremos as conquistas civilizatórias do passado se tornarem reféns de um futuro imprevisível e descontrolado.

João Antonio é conselheiro do TCM-SP e vice-presidente da Atricon