“Quem és tu que queres julgar,
com vista que só alcança um palmo,
coisas que estão a mil milhas?”
Dante Alighieri
* Antonio Joaquim
Na relação das coisas que você precisa saber para não ser um idiota, segundo Olavo de Carvalho, não tem esta; porém, com a devida vênia do filósofo, a incluo: desistir de pessoas que são contra Deus e a Humanidade, contra tudo e contra todos. Não adianta insistir, acreditar ou vislumbrar um fio de esperança. Essas pessoas são arrogantes e pedantes, dadas a atitudes abjetas. E assim, nunca têm dúvidas para atacar, agredir outrem. Invariavelmente, são abutres da imagem e reputação alheia. Aprendi esta lição, em definitivo, com o relatório que a Ong Transparência Brasil vai apresentar sobre os Tribunais de Contas, no dia 12 de maio, em São Paulo, conforme anunciado (embora, funestamente, já o tenha vazado para dois principais veículos da Imprensa brasileira, Veja e Estadão, com um texto indutivo de suas conclusões) .
Li o documento porque a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil – Atricon reclamou e conseguiu uma cópia. A Atricon também questionou por não ter sido chamada para participar desse debate e foi informada que existe espaço na plateia do evento programado. Em suma, a principal entidade representativa pode participar, mas apenas para bater palmas ou vaiar. Muito “democrático”.
Tal relatório faz uma análise da vida pregressa dos ministros e conselheiros dos Tribunais de Contas. Conclui que a maioria tem origem na vida pública e os condena, sumariamente, por tal biografia. Diz que o modelo de composição dos Tribunais existe, basicamente, para anular a missão de controle dessas instituições. Pior: praticamente trata os de origem na vida pública como leprosos, como se somente eles fossem (por hereditariedade e determinismo) alvo de denúncia, investigação ou ação judicial. Mais lamentável ainda: apresenta uma lista nazifascista, jogando todos na vala comum, apontando-os como iguais, sem análise de conteúdo dos processos, sem juízo de valor. Aliás, julgando todos criminosos. Mais à frente tratarei da minha inclusão na malfadada lista e demonstrarei a injustiça desse tipo de procedimento preconceituoso, vil, desqualificador.
Quem vê cara não vê coração
O relatório tem a cara do diretor executivo da Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, embora ele não o assina como responsável pela elaboração. Mas, como o documento será apresentado em nome da Ong, não tenho como desassociá-lo desta minha crítica. Confesso que, nesses últimos anos, fiz um esforço pessoal para me aproximar do diretor executivo da Ong Transparência Brasil, sr. Cláudio Abramo. Nem tanto por ele, muito mais pela entidade, a qual me associei quando era deputado federal pelo PDT brizolista. Como presidente do TCE-MT (2008-2009) e como vice-presidente (2010-2011) e presidente da Atricon (2012-2013), procurei-o para participar de eventos, oferecer contribuições da TB nos debates sobre aperfeiçoamento dos Tribunais de Contas, sobre a criação de um Conselho Nacional (CNTC) para fiscalizar condutas e normatizar procedimentos para o sistema etc. Nunca consegui sequer a gentileza de uma resposta.
O documento também tem o mesmo DNA de levantamentos feitos nos últimos anos por alguns procuradores de contas associados a sua entidade, mais especificamente o ex-escrivão da Polícia Federal Paulo Sérgio, que oficia no MPC de Roraima, e o atual presidente da Ampcon, Diogo Ringenberg, que oficia no TCE-SC. Tive embates públicos com estes dois senhores e posso até ter errado no tom, nas palavras etc. Mas nunca joguei pelas costas, nunca escondi minhas mãos. Nunca fui sorrateiro, nunca fui dado a pegadinhas, nunca fiz articulações seletivas dentro de um sistema que comporta várias representações institucionais. Sempre fui para os embates à luz solar. Isso eu posso falar em plenos pulmões.
Para esses dois olhares, da Transparência Brasil e dos dois representantes de parte do Ministério Público de Contas (continuo crendo nas pessoas de boa fé, a exemplo dos procuradores de contas do TCE-MT e de dezenas de outros BR afora) a linha é a mesma: se foi (ou é?) político, se tem origem política, se algum dia foi eleito pelo povo, se veio da administração pública etc, não presta. Traz a maldição. É venenoso. Deve ser ojerizado. Esse raciocínio está esposado no documento da TB. E já o ouvi dos dois procuradores nos embates. Se fez concurso público, a pessoa é uma vestal, imune a erros, falhas. Não importa se a Lei Maior ou demais leis trazem outras previsões. É como se, por exemplo, não existissem denúncias, investigações e ações contra juízes, promotores, gente concursada que viaja para curso em uma cidade e desvia o trajeto para namorar com diária paga pelo órgão público.
Minha vida pregressa
O relatório da Transparência Brasil comete uma injustiça comigo. Não informa que fui deputado estadual por dois mandatos, deputado federal por outros dois e secretário de Estado em duas pastas. Tenho orgulho da minha biografia. Foi ela que me temperou como homem público, me fez olhar para a vida nas cidades, onde as pessoas moram, e entender que é preciso um mínimo de sensibilidade, além do olhar técnico do julgador. Jamais prevaricar, porém sem perder a serenidade. Por favor, Transparência Brasil, inclua-me entre aqueles que foram políticos.
Tenho contra mim duas investigações e uma única condenação, contra a qual já recorri. Uma das investigações corre como segredo de justiça. Corria, pois faço questão de torná-la pública. Nenhuma delas começou quando eu fui indicado para o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas de Mato Grosso. Ingressei em 2000. A ação em questão foi protocolada no ano de 2002 e julgada em 2013. Refere-se ao ano de 1999, quando fui secretário de Educação. Na época, Mato Grosso crescia em ritmo alucinante e o Governo tinha que contratar professores temporários (como ainda ocorre atualmente em todos os Estados Brasileiros e até nas universidade federais com processos seletivos simplificados). Após 11 anos, fui surpreendido por uma juíza substituta, no julgamento de processos em regime de mutirão, contra a jurisprudência do próprio TJMT, com essa condenação. Observe um fato importante. O próprio MPE já desistiu desse tipo de ação em Mato Grosso. Recorri da condenação ao Tribunal de Justiça e serei absolvido. Até porque, qual foi o mal em assegurar professor para salas de aulas? Como fazer para suprir vagas de milhares de professores que se afastam, tiram férias, pedem demissão? Sobre este assunto, publiquei nota à sociedade que pode ser acessada pelo link https://www.atricon.org.br/
Sou investigado em procedimento aberto pelo Ministério Público porque a Prefeitura de Barra do Garças recuperou uma estrada municipal que existe há 80 anos anos e que, por desgraça do destino, terminava em uma propriedade que tinha adquirido. Aliás, parte dela, onde meu avô morava e onde fui criado, pois fiquei órfão aos sete anos. Os 15 quilômetros da estrada servem a outras propriedades. Ela tem reconhecimento de serventia pública até por lei da Câmara Municipal. Mas como tinha um conselheiro de Tribunal de Contas entre eles, o promotor local achou que a Prefeitura o estava privilegiando. O processo de investigação continua, fato que descubro agora com o relatório da Transparência Brasil – embora eu nunca tenha sido sequer citado para me defender. Por desgosto com a repercussão, à época, revendi esse pedaço de chão. A memória do meu avô está preservada em meu coração e basta.
Enfrento uma investigação tributária, em procedimento iniciado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, em 2009, que entendeu existir uma movimentação financeira incompatível com o meu salário. Entreguei todos os documentos solicitados pela Receita Federal, que discordou de parte dos valores e me aplicou uma multa. Recorri contra essa decisão e, a partir daí, o Ministério Público pediu a investigação. Por ocupar o cargo, a ação investigatória tramita no STJ. O que venho demonstrando é que não sou apenas conselheiro de contas. Desde que me entendo por gente, coisa de família, dos meus país e avós, sou pecuarista. Tenho negócios nessa área e faço leilão de reprodutores do segmento da bovinocultura. Quem quiser saber mais basta acessar o site www.ranchot.com.br. Apresentei notas fiscais de compra e venda etc, mas como sempre, no Brasil, quem é investigado que tem que provar inocência e não quem denuncia que precisa provar culpa. Fora a demora nas investigações e julgamentos, o que coloca o denunciado em ato de imolação forçada.
Sei que, ao final deste artigo, tudo estará com aspecto de um desabafo. Mas o é e peço desculpas por ocupar o tempo do leitor.
Voltando a Olavo de Carvalho, ele cita Hippolite Taine, sobre aqueles que gostam de julgar as pessoas. Mais ou menos assim: o homem sério, primeiro estuda, conhece, depois julga. Não existe seriedade alguma em jogar todos na vala comum.
* Antonio Joaquim é conselheiro do Tribunal de Contas de Mato Grosso e ex-presidente da Atricon