Publicado originalmente no Jornal Folha de S. Paulo – SEÇÃO TENDÊNCIAS/DEBATES 20/5/2019
Ação preventiva nos Tribunais de Contas – Objetivo é evitar eventual desperdício de recursos
João Antonio da Silva Filho, Presidente do Tribunal de Contas do Município de São Paulo e mestre em Filosofia do Direito (PUC-SP)
A democracia é o instrumento que impede a contaminação do Estado pelo autoritarismo. A Constituição de 1988 estabeleceu como pilares de sustentação do Estado democrático de Direito a soberania popular, que legitima a classe política dirigente, poderes autônomos com instituições fortalecidas, unidade em torno da Carta e respeito aos direitos fundamentais nela contidos.
No Brasil, o sistema de freios e contrapesos possui uma peculiaridade: além da tradicional separação dos poderes, a Constituição conferiu competências aos órgãos de controle —Ministério Público e Tribunais de Contas—, dando-lhes um acentuado grau de autonomia.
No caso dos Tribunais de Contas, a Constituição ampliou suas competências, com prerrogativas que vão além de um mero controle de contas, ganhando força o chamado controle preventivo e concomitante, com foco menos no já feito e mais na prevenção.
A Constituição, no que se refere à emissão de pareceres sobre contas do Executivo, prescreve aos Tribunais de Contas uma função de auxílio às casas legislativas. Entretanto, a previsão constitucional para atuar no controle prévio e concomitante das contratações públicas foi ampliada. Nestes casos, as decisões das cortes de contas independem de convalidação do Poder Legislativo.
Nos últimos tempos, o Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP) tem voltado sua atuação prioritariamente para a prevenção. O objetivo é chegar antes do eventual desperdício dos recursos públicos.
Um exemplo recente dessa atuação do TCMSP foi a licitação da varrição. Em 2018, a cidade de São Paulo gastou cerca de R$ 870 milhões para manter esses serviços, que compreendem a varrição dos seus 16 mil quilômetros de vias, além da limpeza de logradouros, túneis, passagens subterrâneas, monumentos públicos, bueiros, bocas de lobo e feiras livres. Entre 2005 e 2011 os contribuintes pagaram R$ 1,96 bilhão aos contratados para a execução desse tipo de zeladoria, com a divisão da cidade em cinco lotes.
Com a realização de uma nova licitação em 2011, a Prefeitura de São Paulo reduziu a divisão geográfica da cidade para apenas dois lotes. Isso restringiu a prestação dos serviços a um pequeno grupo de empresas e elevou seu custo na ordem de R$ 400 milhões por ano. Esse modelo, que vigorou até maio de 2019, consumiu —entre 2012 e 2018— R$ 6,22 bilhões dos cofres públicos, o que representou um aumento de 217,32% em relação ao modelo anterior a 2011.
Com a recente licitação finalizada no início deste ano, o TCMSP determinou a divisão geográfica da cidade em no mínimo cinco lotes, tendo a prefeitura optado por organizar o processo licitatório em seis agrupamentos. Esse novo entendimento entre prefeitura e TCMSP viabilizou maior competitividade e, por consequência, maior economia na contratação. Os novos contratos proporcionarão uma economia projetada para o período de 2019 a 2025 de R$ 730 milhões —ou 11,74% em relação ao pago pela prefeitura no período entre 2012 e 2018.
O exemplo de ação preventiva acima, fruto da ação colaborativa do TCMSP com o Poder Executivo municipal, buscou evitar o desperdício de dinheiro público, impedir danos ao erário e assegurar a supremacia do interesse público.