Sim, leitores, esse título tem a explícita intenção de ser provocativo.
Em momento de tanta polarização política e ideológica e diante do incomum protagonismo
com que o Supremo Tribunal Federal – STF tem exercido suas atribuições, uma simples
menção favorável a alguma decisão pode por si só provocar desconfiança e irritação em alguns
setores. Corro o risco de ser acidamente criticado sem que sequer tenha sido lida a primeira
frase deste artigo.
Mas essa provocação, leitores, não é gratuita. Ao contrário, há algum tempo proclamo a
necessidade de construirmos alguns consensos básicos na sociedade brasileira. Consensos que
consigam ultrapassar as trincheiras ideológicas, as opções político-partidárias, as crenças
religiosas e as preferências clubísticas. Sem uma plataforma comum de valores e princípios,
em breve estaremos esfacelados, a exemplo do que ocorre em outros países, em que
diferentes nações inimigas, incapazes de dialogar, coabitam e disputam um mesmo território.
Não é o que desejamos para o Brasil.
Evidentemente, não se alimenta a ilusão da unanimidade. Sempre haverá extremistas de
diversas procedências, cuja matriz de profunda intolerância incapacita para a convivência
pluralista. Contudo, creio que alguns consensos são possíveis: amplos, no sentido de
envolverem múltiplos aspectos da vida social; e robustos, à medida que logram congregar uma
expressiva maioria de brasileiros.
Em princípio, a base desses consensos é a nossa Carta Constitucional. Por exemplo, temas nela
consagrados, como o respeito aos direitos humanos ou a preservação do meio ambiente para
as futuras gerações, jamais poderiam ser objeto de questionamentos sérios. No entanto,
sabemos que não é assim, lamentavelmente. Apesar de vivermos sob regras democráticas,
igualitárias e antipreconceituosas, grande parte de nossos compatriotas ainda não se libertou
de uma formação cultural/familiar autoritária, racista, machista etc.
Por isso, é de extrema importância destacar fatos e decisões que contribuam para a nossa
evolução civilizatória.
Assim é que conclamo a todos, sinceramente, a aplaudir de pé a recente decisão do STF, por
unanimidade, no julgamento da ADPF 779, que considerou inconstitucional e inaceitável pelos
tribunais de júri a tese da “legítima defesa da honra” (masculina) como justificadora ou
atenuante da prática de feminicídio. Entendeu a Suprema Corte que referido argumento viola
os princípios constitucionais da dignidade humana, da proteção à vida e da igualdade de
gênero, estimulando a violência contra mulheres e a sua impunidade.
Como assinalado no julgamento, a “legítima defesa da honra” é um recurso retórico odioso,
desumano e cruel, usado por acusados de feminicídio para imputar às vítimas a causa de suas
próprias mortes ou lesões, contribuindo para a perpetuação da cultura de violência contra as
mulheres no país. E ainda: “Não há espaço no contexto de uma sociedade democrática, livre,
justa e solidária, fundada no primado da dignidade da pessoa humana, para a restauração de
costumes medievais e desumanos do passado, pelos quais tantas mulheres foram vítimas da
violência e do abuso por causa de uma ideologia patriarcal fundada no pressuposto da
superioridade masculina.”
Uma decisão histórica, firme, correta, necessária, importante, unânime e positiva. Merecedora
de fortes aplausos. Ou não?
Luiz Henrique Lima – Conselheiro Substituto do TCE-MT