Como organismo social vivo, a Atricon vem, ao longo de sua história, modernizando-se e ampliando o rol de suas atribuições e papéis.
Isto se deve, por vezes, a fatores externos, decorrentes da própria evolução da sociedade e da gestão pública, ou a iniciativas internas, motivadas pela identificação de espaços de atuação correlatos com suas finalidades e que valorizam a função sócio-institucional da entidade.
Originariamente concebida para a legítima defesa corporativa de seus membros, com o tempo a Atricon passou a desempenhar um relevante papel na defesa das prerrogativas e competências institucionais dos próprios Tribunais de Contas, assim como na busca para estabelecer um sistema (padrão) nacional de procedimentos e de atuação.
Essa evolução de papel, antes de ser uma opção, revelou-se uma necessidade, se se considerar que:(1º) as normas que tratam das competências e composição de todos os TCs emanam da mesma fonte normativa, de abrangência nacional – a Constituição Federal (artigos 70-75) e (2º) diferentemente do Poder Judiciário e do Ministério Público, onde existem os respectivos Conselhos Nacionais, os Tribunais de Contas não possuem um organismo estatal que garanta a mínima uniformidade de atuação e procedimentos, o que favorece a atuações completamente dessemelhantes.
Na verdade, os primeiros passos neste sentido remontam aos debates em eventos internos, como os congressos nacionais e os encontros técnicos da Atricon, assim como nos seminários promovidos por entidades congêneres, especialmente o Instituto Rui Barbosa (IRB).
O segundo (e muito importante) passo na trilha da defesa institucional ocorreu no contexto de criação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), notadamente quando da implementação do Programa de Modernização do Sistema de Controle Externo dos Estados, Distrito Federal e Municípios do Brasil (Promoex), entre 2005-2012. As atividades e os fóruns de discussões desenvolvidos no âmbito desse valioso programa contribuíram para criar uma base de conhecimento e de compartilhamento de soluções técnicas e de boas práticas que foram importantes para o aprimoramento dessas instituições e dos seus órgãos representativos. Não há dúvidas de que hoje somos mais “sistema”, somos Tribunais que atuam de forma bem mais uniforme. Não custa lembrar, ainda, que tanto a Atricon como o IRB tiveram assento privilegiado para o sucesso do programa, sendo responsáveis pela coordenação de grande parte de suas atividades.
O Plano Estratégico da Atricon, elaborado com metodologia adequada e ampla discussão, para período 2012-2017, avançou, de modo muito forte, na mesma senda, a começar pela definição da própria Missão da entidade: “Garantir a representação, a defesa e a integração dos Tribunais de Contas e de seus membros, visando ao fortalecimento do sistema de controle externo do Brasil, em benefício da sociedade”.
A rigor, toda essa evolução sempre esteve em sintonia com suas regras estatutárias. Com efeito, já no seu primeiro Estatuto estava previsto o papel da Atricon na busca da construção de um sistema “Tribunais de Contas”. A propósito, assim estatuía o antigo artigo 3º, inciso I, in verbis:
I – propugnar pelo entrosamento e coordenação das atividades das Cortes de Contas do Brasil, visando a uniformização dos métodos de controle das finanças públicas, atendidas as características das áreas de jurisdição de cada uma.
A evolução natural deste processo, construído, reconheça-se, a partir da contribuição das diversas gestões da entidade, desaguou na importante alteração do seu Estatuto, em novembro de 2011, na gestão do Conselheiro Salomão Ribas, quando foram introduzidas atribuições que reforçaram, ainda mais, a defesa e a representação institucional dos Tribunais de Contas. Destaquem-se, particularmente, os novos incisos IX e X do artigo 3º, introduzidos nessa ocasião, que assim preconizam:
Art. 3º – São também objetivos da Associação:
[…]
IX – acompanhar, junto aos Poderes Legislativos, a tramitação de projetos acerca do controle externo da Administração Pública, bem assim os relativos aos Tribunais de Contas, promovendo estudos e debates com vistas a aperfeiçoá-los.
X – auxiliar os Tribunais de Contas na defesa, em juízo ou fora dele, dos seus legítimos interesses institucionais.
A propósito, as atribuições supramencionadas ganham robustez na medida em que o Supremo Tribunal Federal consolidou posicionamento garantindo a legitimidade da Atricon, tanto para propor Ações Diretas de Inconstitucionalidade, como para ingressar como Amicus Curiae, em processos de interesse dos Tribunais de Contas, incluindo a defesa das prerrogativas e competências constitucionais desses órgãos.
Foi, portanto, considerando todo esse histórico da entidade que, durante o III Encontro dos Tribunais de Contas, realizado em novembro de 2012, em Campo Grande-MS, propusemos alterações pontuais do atual Estatuto, com vistas, justamente, a possibilitar novos padrões de relacionamento entre a Atricon e os Tribunais de Contas, seja do ponto de vista técnico (principalmente), seja sob o aspecto administrativo.
No primeiro caso, procurando conferir maior efetividade ao que já previa o inciso XI do artigo 3º do antigo Estatuto e o hoje vigente Artigo 10 (incisos VII e VIII), propõe-se que as deliberações plenárias dos congressos nacionais, bem como outras matérias de iniciativa de seus membros ou do próprio IRB, sejam, APÓS A SOBERANA APROVAÇÃO DO CONSELHO DELIBERATIVO, exaradas mediante o instrumento de RESOLUÇÕES, conferindo-lhes, por conseguinte, maior formalidade e solenidade sem, no entanto, alterar o seu caráter de NORMA-RECOMENDAÇÃO, por óbvio, não vinculante para os Tribunais de Contas. Para isso, sugere-se uma nova redação para o atual Artigo 10, inserindo dois parágrafos que detalham as atribuições consignadas nos incisos VII e VIII do referido artigo. Veja-se o artigo com a nova redação proposta:
Art. 10 – O Conselho Deliberativo reunir-se-á, ordinariamente, uma vez por ano, ou sempre que convocado, e durante os congressos dos Tribunais de Contas, competindo-lhe:
[…]
VII – apoiar a adoção de medidas necessárias ao cumprimento das deliberações e recomendações da Atricon e dos Congressos dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil;
VIII- deliberar e fazer recomendações sobre assuntos de interesse comum, com base em teses ou propostas, que visem ao intercâmbio de idéias e experiências e à melhor atuação dos Tribunais de Contas;
[…]
§1º – As orientações e recomendações referidas nos incisos VII e VIII deste artigo, aprovadas pela Assembléia Geral ou pelo Conselho Deliberativo, durante as reuniões plenárias dos Congressos dos Tribunais de Contas ou em reuniões extraordinárias, convocadas nos termos deste Estatuto, serão formalizadas sob a denominação “Resoluções da Atricon”, devidamente numeradas, em ordem cronológica, observados os princípios e técnicas atinentes à elaboração dos atos normativos.
§2º – As Resoluções da Atricon, aprovadas conforme as regras deste Estatuto, têm natureza de orientação e recomendação, sem força coercitiva, cabendo a cada Tribunal, observada a sua autonomia, deliberar sobre a efetivação de ações ou a edição de atos administrativos ou normativos com vistas à sua implementação.
Como exemplo dessa atuação, já se acha em debate a proposta de orientações aos Tribunais de Contas para o controle da aplicação da Lei de Acesso à Informação (LAI), disponibilizada na página eletrônica da Atricon: (https://www.atricon.org.br/documentos/minuta-de-proposta-de-resolucao-de-auditoria-lai/). Outros temas poderiam ainda se agregar neste novo enfoque normativo, como aqueles referentes à Lei das Microempresas (Lei Federal Complementar nº 123/2006), às auditorias de obras públicas (em parceria com o instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas), à atuação preventiva dos TCs, mediante a expedição de medidas cautelares, e até mesmo a importante questão da uniformização de atos processuais, enquanto não se consegue aprovar no Congresso nacional a “lei nacional processual”.
É preciso deixar muito claro, contudo, que a adoção desse novo procedimento, em relação à maneira de formalizar recomendações aos Tribunais, não pode mitigar, um milímetro sequer, a garantia constitucional da autonomia dessas instituições de controle, autonomia que, vale dizer, decorre do estruturante e pétreo princípio federativo. Tampouco poderá implicar qualquer diminuição do, não menos importante, princípio do livre convencimento, que é assegurado a todos os seus membros no desempenho do seu papel de julgador. Com efeito, não se pretende transformar a nossa Entidade no órgão de “controle externo dos TCs”. As orientações – vale repetir, aprovadas, democraticamente, e após muitas reflexões e discussões –, formalizadas por meio das Resoluções expedidas pelo Conselho Deliberativo da entidade, serão apenas mais um passo na busca da efetivação desse papel institucional que pretende consolidar, respeitando todas as diferenças e autonomias, um sistema nacional de atuação mais orgânico, coerente, uniforme e estruturado.
Foi, ainda, considerando todo esse cenário, que propusemos, naquele importante Encontro, outra alteração estatutária com vistas a propiciar maior sustentabilidade financeira à Atricon, especialmente considerando seus múltiplos papéis. Objetivamente, defendemos que os Tribunais de Contas possam celebrar convênios específicos com a entidade, tendo por objeto a defesa institucional dos órgãos de controle. Ressalve-se que tais convênios estariam sujeito às devidas prestações de contas às instâncias de controle interno e externo competentes. Não tenho dúvidas quanto à legitimidade e à moralidade da celebração de convênios com esse objetivo, nada obstante, é forçoso reconhecer que, por sermos os guardiões do controle da gestão, para avançarmos neste sentido é preciso esgotar todas as reflexões e ponderações sobre a estrita legalidade desses repasses.
Essas ideias já estãos disponíveis no site da Atricon para sugestões e críticas, devendo constituir itens de pauta específicos da Reunião do Conselho Deliberativo da Atricon, nos próximos dias 21 e 22 de março, em Brasília.
Aos debates, então!
CONSELHEIRO VALDECIR PASCOAL
Vice-presidente da Atricon e do TCE-PE