Capa do Jornal do Comércio destaca entrevista com o presidente do TCE-RS

Capa do Jornal do Comércio desta quarta-feira (17) destaca entrevista com o presidente do TCE-RS, Cezar Miola, sobre o marco regulatório das ONGs.

Leia a matéria abaixo:

Mais de 10 mil entidades no Rio Grande do Sul recebem recursos por meio de convênios

Matéria: Lívia Araújo

Convênios e contratos firmados pelo Estado e por municípios gaúchos com organizações não governamentais (ONGs) e entidades civis acumulam repasses de R$ 5,6 bilhões em 2013 e no primeiro semestre de 2014. Os dados são de levantamento realizado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Rio Grande do Sul. São 7 mil entidades que recebem recursos públicos na esfera municipal e 3,6 mil em nível estadual, e que devem ser diretamente impactadas pela entrada em vigor, em 1 de novembro, da Lei 13.019/2014, que institui o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil.

De acordo com o presidente do TCE, Cezar Miola, o maior mérito da norma é garantir transparência ao repasse financeiro, além de estimular boas práticas de gestão. “Temos uma dimensão muito republicana nessa lei, de zelo pela boa aplicação dos recursos públicos”, opina. Entre as inovações introduzidas, está a necessidade de um chamamento público para a inscrição de entidades interessadas e requisitos mínimos para a composição das parcerias, como estar em funcionamento há pelo menos três anos, ter experiência comprovada no campo abrangido pela parceria e capacidade técnica e operacional para o desenvolvimento das atividades.

Além disso, a legislação estende seus efeitos para a pessoa física. “O dirigente da organização também não pode exercer o cargo se ele, pessoalmente, teve irregularidades descobertas. Não pode sair de uma organização e ir para outra”, explica o conselheiro. “É uma espécie de exigência de ficha limpa também nessa seara”, acrescenta.

Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o conselheiro detalhou os principais destaques do novo marco regulatório, além de assumir o papel do tribunal na qualificação de gestores do poder público e das organizações, com o lançamento de uma plataforma com informações técnicas e conceituais abertas ao público. Uma iniciativa de educação a distância também está na pauta de ações do TCE, voltada à exigência da Lei 13.019/2014 de que o poder público, nos órgãos que concedem recursos, disponibilize gestores para a fiscalização das parcerias e o acompanhamento gradual de indicadores e resultados.

Jornal do Comércio – Como era antes do marco regulatório das ONGs para firmar um contrato com o Estado ou município?

Cezar Miola – Nós estamos valorizando muito a edição da lei 13.019. Em termos de regulação, não tínhamos uma norma abrangente. Cada unidade da federação tinha eventuais regulamentos, quando tinha, e essa legislação é aplicável à União, em estados, municípios e no Distrito Federal, administração direta e indireta e em todos os poderes e órgãos. Antes, às vezes, as parcerias se davam não à margem da lei, mas sem uma normativa específica. Agora temos esses critérios gerais. Essas normas são aplicadas a todos. A lei ainda não entrou em vigor porque há um prazo de 90 dias para adequação, porque ela traz muitas alterações e inovações.

JC – Quais são as principais inovações que ela traz?

Miola – Uma das grandes virtudes da lei é propiciar maior controle e transparência em relação a essas parcerias. Em 2007 houve uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que examinou o tema das ONGs, e essa lei, em parte, é fruto importante dessa investigação de irregularidades no repasse de recursos às organizações. Além da transparência em todos os processos, a nova lei prevê um procedimento seletivo: o ente público que queira contratar uma fundação ou associação civil vai precisar fazer um chamamento público, ou seja, não pode escolher diretamente quem ele bem entenda. Os princípios aplicáveis são os mesmos da licitação. É uma lei bem austera no que diz respeito à preservação de princípios constitucionais. Ou a organização privada pode se habilitar a apresentar uma proposta para se qualificar e firmar essa parceria. Também traz a transparência, no sentido de a organização ter de prestar contas à sociedade, a necessidade de se ter uma avaliação dos resultados alcançados por essas parcerias, não apenas do ponto de vista financeiro, mas de quais foram os benefícios efetivamente alcançados. E, além disso, a necessidade de se divulgar na lei orçamentária, no início de cada ano, todas as previsões em relação aos valores aprovados para as parcerias.

JC – Esse pode servir como um critério para ser mantido ou cancelado o convênio?

Miola – Sim, na medida em que se avalia que a parceria não produziu efeitos desejados. Em relação ao controle, que é nossa função aqui, nós tínhamos sempre uma discussão jurídica sobre até onde poderia incidir a atuação dos tribunais de contas. Então, como regra, nosso trabalho envolvia o exame da autorização legislativa, a transferência do recurso, e a prestação de contas feita pela entidade beneficiária, mas nós não tínhamos uma previsão específica de poder entrar nos registros da entidade privada. Hoje a lei coloca expressamente, como condição para celebrar o termo, que se preveja a atuação dos órgãos de controle internos e externos, como os tribunais de contas. Portanto, vamos poder fiscalizar essa ação em sua plenitude. Acho que essa é uma das grandes virtudes da lei.

JC – De certa forma, o novo marco não intensifica a burocracia para a contratação de entidades?

Miola – Se olharmos a burocracia como o aumento dos controles, sim, mas isso faz com que justamente tenham-se mecanismos de gerenciamento desse processo. A nova lei vai demandar um processo de qualificação, no ponto de vista administrativo das ONGs, e da esfera pública, inclusive. É por isso que a lei prevê que o poder público deverá se dedicar a qualificar organizações e agentes públicos. Mesmo não sendo exatamente uma tarefa do Tribunal de Contas, estamos colocando no nosso site um conjunto de informações, com vídeos, apresentações, elaborado por técnicos do tribunal, que introduzem as inovações trazidas pelo marco legal. Isso poderá ser utilizado por qualquer pessoa que faça parte de uma organização da sociedade civil ou que queira conhecer mais sobre a nova lei em uma linguagem acessível.

JC – Como será feita a prestação de contas pelas organizações?

Miola – A lei estabelece normas gerais para a prestação, com eixos principais que precisam constar dela, mas cada ente da federação poderá apresentar regras específicas para esse tema.

JC – Pode haver algum tipo de conflito com a já existente lei das Oscips?

Miola – As Oscips continuam seguindo sua regra própria. Se houver algum tipo de lacuna que a lei das Oscips não atenda, a lei 13.019 serve como subsidiária.

JC – Como vai ser a ação do TCE em relação à fiscalização da lei?

Miola – A partir de agora, a ideia é intensificar o processo de fiscalização. Estamos procurando incentivar a participação da sociedade, dentro da ideia do controle social, além dos órgãos que já serão responsáveis por aplicar a regra. Além dos vídeos na internet e do material disponível online, pretendemos preparar um curso em plataforma de educação a distância, para oferecer aos gestores públicos, técnicos e administradores das organizações da sociedade civil. É importante ressaltar que nos preocupamos não só com a fiscalização, mas também com a qualificação da gestão pública, pois reconhecemos que algumas organizações terão dificuldades para se adaptar. No entanto, é importante que essa lei seja valorizada, pois ela é um instrumento para a transparência e eficiência da gestão.