Cidadania, controle social e Tribunais de Contas

Por Cezar Miola

As grandes transformações inspiradas no Iluminismo nos legaram também a “Declaração dos Direitos” de 1789 e, com ela, uma espécie de marco moderno do controle. A par de outros dispositivos relacionados, este: “Art. 15º. A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração”.


O que hoje denominamos controle social seria “apenas” um direito? Ou consistiria também num dever do cidadão? Trata-se aqui de uma perspectiva distinta da convencional para o exame do tema e, marcadamente, do lugar dos Tribunais de Contas (TCs) nesse contexto, haja vista as informações que detêm e sabendo-se que, para controlar, é preciso conhecer.


Ser cidadão implica também comprometer-se com a gestão da coisa pública. Significa dizer: participar ativamente das decisões e ações em assuntos de Estado e de governo que afetem, senão a si diretamente, à coletividade.



E quanto aos fundamentos e instrumentos garantidores desse exercício? Eles existem, há muito, a partir da própria Constituição. No caso, para além de um substrato lastreado em diferentes normas, contamos com instrumentos e experiências bem-sucedidas, tais como as plataformas digitais de acesso à informação e ouvidoria, de participação do cidadão em consultas públicas e de avaliação da qualidade de serviços, sobretudo por meio dos portais dos Poderes e órgãos, inclusive dos Tribunais de Contas.


A questão é que nem sempre as informações são completas e plenas ao exercício desse controle, limitado que fica por restrições indevidas ou desproporcionais (a falta de elementos sobre a dimensão dos incentivos fiscais concedidos em muitos entes da Federação e os respectivos benefícios gerados à população são apenas dois dos diversos casos que podem ser referidos).


Tribunais de Contas, a propósito, são essenciais na disseminação de boas práticas. E tal atuação estimuladora se dá pelas vias da orientação e da fiscalização. Os órgãos de controle orientam por diferentes formas: consultas, notificações e alertas, levantamentos de dados, realização de estudos, diagnósticos, celebração de acordos de cooperação, além de treinamentos (sobretudo de agentes públicos). No particular, merece registro a atuação dos TCs na capacitação dos integrantes de conselhos de políticas públicas — de educação, de saúde, entre outros, além de instarem os gestores responsáveis a lhes assegurar plenas condições de atuação (considerando que muitos enfrentam graves limitações operacionais). A mesma preocupação alcança, por exemplo., redes escolares, observatórios sociais e assemelhados, organizações e entidades, sobretudo quando aplicam verbas públicas.


Mas colocar-se como ator central dessa rede demanda o compromisso do cidadão de atuar. Para além do direito de ser informado e de se informar (e aqui emerge com vigor a importância da imprensa, agindo com liberdade e independência), o exercício da cidadania requer ação, posicionamento ativo. Diz-se que o administrador público tem o dever-poder de agir, mas também se pode suscitar validamente: a cidadania tem o direito-dever de participar. O controle social precisa ser reconhecido, pois, como uma relação com o Estado, mediada pela administração pública. E esse agir pela via da participação há de ser percebido como inerente à gestão, não somente como possibilidade. Nesse quadro, os Tribunais de Contas assumem uma posição de destaque como interlocutores, facilitando o esclarecimento que habilita a formação de opiniões capazes de fundamentar ações consistentes para o exercício da cidadania. E o nosso objetivo é ampliar cada vez mais esse diálogo.


*Conselheiro do TCE-RS, é presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon)

Fonte: https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/cidadania-controle-social-e-tribunais-de-contas.html