Coronalivros

Valdecir Pascoal

Há ciclos da história em que predomina o desprezo pelo conhecimento. No Século 20, os anos 30 a 50 foram emblemáticos como expressão do obscurantismo. Uma grande metáfora daqueles tempos sombrios era o ato de queimar os livros contrários ao novo “ideal” totalitário. Em “Fahrenheit 451”, obra de Ray Bradbury (1953), o protagonista Guy Montag tinha a missão de ir de casa em casa e atear fogo nos livros censurados pelo regime. Sem a consciência do desvario de seu ato, o funcionário agia como um fiel cumpridor de ordens, atitude que se amolda ao conceito de “banalidade do mal”, de Hannah Arendt.

Guardadas as proporções, e sob novos moldes, o mundo volta a flertar com o obscuro. Os livros retornam à berlinda. Agora, eles não são queimados em praças públicas, nem incinerados nas estantes das casas. A reforma tributária proposta pelo governo pretende cobrar um tributo sobre os livros, alegando que os mais pobres não leem, por isso o incentivo não se justificaria. Reavaliar as renúncias fiscais é fundamental, pois há privilégios inconcebíveis. A revogação do incentivo aos livros, no entanto, é um manifesto tributo à ignorância. Trata-se de uma nova variante do perigoso vírus – o Coronalivros. A doença que ele causa é chamada de “Sem Futuro” e seus principais sintomas são: desigualdade, negacionismo, sectarismo, imobilismo social e retrocesso econômico e civilizatório. Em vez de extinguir uma política pública essencial para o desenvolvimento educacional e cultural dos cidadãos, esperava-se a proposição de outras ações para estimular, ainda mais, a leitura, especialmente entre os mais pobres. O governo Biden acaba de anunciar um vigoroso pacote de investimentos na educação financiado com o aumento de impostos dos milionários. Aqui em Pindorama, resta-nos o triste lamento: pobre livro; pobre do pobre; e pobre do rico que, podendo, não lê.

Em “Fahrenheit 451”, a personagem Clarisse, que sonha em ser professora, joga luz na insensatez de Montag. Ao final, ele torna-se um fervoroso defensor dos livros e da educação como libertação. O JC Online (12/4) trouxe a edificante história do jovem Davi, que acaba de ser aprovado para o curso de Geografia da UFPE. Davi, menino pobre, estudava também pelos livros que coletava no lixo, com a sua mãe. Como Clarisse, Davi sonha em ser professor. Há esperança! Que a sua comovente história possa sensibilizar e domar o bravo leão, que, historicamente, costuma ser manso com os mais afortunados e, recentemente, passou a ser um entusiasta das armas.

“Bendito o que semeia livros”. (Castro Alves).

 

Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE