No momento em que o Ministério da Educação enfrenta sérias turbulências, com denúncias de influências externas na liberação de recursos – que levaram à queda do titular da Pasta – e de sobrepreço na compra de ônibus escolares, um tema da maior relevância para a efetividade das políticas públicas em área fundamental para o país permanece em aberto.
Alegando adequação à LF nº 13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) restringiu o acesso a microdados dos censos Escolar e da Educação, bem como do Enem. A restrição, alega o órgão do MEC, visa afastar a possibilidade de identificação de alunos e professores.
Diante da decisão do INEP, entidades que integram o Sistema Tribunais de Contas divulgaram nota em que defendem convergir, de forma proporcional, aquele direito assegurado na LGPD e na própria Constituição, à garantia de transparência para o monitoramento das políticas públicas na área da educação. Que, aliás, está também constitucionalmente assegurado.
Parece razoável supor que, com os avançados recursos tecnológicos disponíveis, seja possível assegurar a proteção de dados individuais sem a necessidade de ‘simplesmente’ suprimir a divulgação de informações essenciais, não só para os órgãos de controle externo, mas para toda a sociedade.
Ao apontar que a medida do INEP dificulta que organismos públicos, entidades civis e os próprios cidadãos monitorem o cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE), bem como que contribuam para reduzir as desigualdades de raça, gênero e de nível socioeconômico, a nota do Sistema Tribunais de Contas assevera que em relação aos órgãos de controle “a restrição imposta limita sua atuação constitucional no monitoramento, na avaliação e na fiscalização da política pública de educação, sobretudo na dimensão qualitativa, relacionada ao desempenho material da gestão governamental”.
Fundamental para garantir ao indivíduo a exclusiva titularidade de seus dados pessoais, a LGPD não pode, porém, como pretende o INEP, criar óbices para o pleno acesso a informações cruciais, não só para o controle externo das políticas públicas, mas para a fiscalização exercida pela sociedade (controle social).
Além do que, sem dispor de todo o conjunto de informações consolidadas nas plataformas do MEC, centenas de pesquisas conduzidas por especialistas de instituições públicas e privadas estarão comprometidas, com graves prejuízos para o avanço da educação no país.
Ao suspender a publicação de dados demográficos e socioeconômicos dos censos Escolar e da Educação, bem como do Enem, a decisão do INEP impede, por exemplo, que sejam feitos recortes sobre o desempenho escolar por região, raça e condição social. E não resta dúvida de que, sem esses e outros detalhamentos, a análise crítica e a avaliação acadêmica criteriosa, decisivas para aprimorar o desempenho da educação, estarão prejudicadas.
Portanto, ao defender a busca de convergências que garantam a preservação das informações (LGPD) e, ao mesmo tempo, assegurem livre acesso aos dados necessários às pesquisas em educação, em sua essência a nota do Sistema Tribunais de Contas não só reafirma os primados do controle externo, a cujas instituições nenhuma informação pode ser cerceada, mas deixa patente a importância do controle social sobre toda e qualquer instância governamental ou política pública.
Como sublinha a nota, tanto quanto a proteção de dados pessoais, o direito à educação encontra amplo amparo constitucional, exigindo, para sua efetivação, a coesão dos entes da federação “por meio de políticas públicas planejadas, executadas e avaliadas de forma cooperativa e articulada.”
Espera-se que, sob a alegação de rigor no cumprimento da LGPD, o INEP não persista na tentativa de obstaculizar o acesso a dados fundamentais para avaliação criteriosa de políticas e programas de educação.
É possível e indispensável preservar os direitos individuais sem afrontar os princípios republicanos.
Iran Coelho das Neves – Presidente do TCE-MS