Cezar Miola
A catástrofe climática que atinge o Rio Grande do Sul há mais de um mês impõe ao país pelo menos três desafios gigantescos nos próximos anos: ajudar a reconstruir o Estado mais meridional do Brasil – onde vivem quase 11 milhões de pessoas –, desenvolver e aplicar formas de tornar a infraestrutura urbana e a malha viária mais resilientes e agir incessantemente contra a crise ambiental que coloca o planeta em xeque. O Dia Mundial do Meio Ambiente já seria a data ideal para marcar esse debate. As circunstâncias atuais tornam os avanços ainda mais prementes.
A primeira tarefa já está em andamento. Os governos federal, estadual e municipais estão atuando para fazer frente às necessidades imediatas de quem perdeu tudo, para restaurar equipamentos públicos avariados e para minimizar os impactos econômicos. Planos são lançados, planejamentos são apresentados publicamente, contratos emergenciais assinados e mudanças na legislação contribuem para possibilitar gastos imprevistos. A urgência exige respostas rápidas, mas isso também não pode significar abdicação ao acompanhamento, ao controle e à transparência em relação aos recursos públicos alocados.
O segundo encargo requer mais prazo e mudança de mentalidade. O que parece evidenciado é que ocorreram ocorrências falhas e falta de atenção a avisos fornecidos por fortes intempéries anteriores e decisões (ou falta delas). E essas lacunas agora cobram um preço elevado à população e à economia do Rio Grande do Sul. A tempestade não é controlável, mas seus reflexos, sim. Não será aceitável seguir nessa mambembe jornada. O Brasil terá o desafio de montar e reforçar centros de estudo de excelência e formar profissionais que o ajudem a enfrentar fenômenos climáticos extremos. Essa tarefa é multidisciplinar e passa por sistemas de ponta, protocolos de evacuação conhecidos da população, planejamento urbano inteligente e construções resilientes, entre outros aspectos.
Por fim, o terceiro desafio é o que dá sentido aos dois anteriores e impede que, no futuro, para as próximas gerações, tenham sido esforços em vão. O Brasil precisa colocar as mudanças climáticas na agenda. Até porque seus efeitos já estão claros há tempo. Acaba de ser divulgado um estudo do World Weather Attribution (WWA), um grupo internacional de cientistas, que aponta que o aquecimento global dobrou a probabilidade de o Rio Grande do Sul ser atingido por um evento climático tão violento como o visto agora.
Dentro da estrutura pública, os Tribunais de Contas estão atentos a essa questão. Neste ano, as Cortes, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e entidades parceiras irão realizar a terceira edição do Congresso Ambiental dos Tribunais de Contas. O evento entrou para a agenda dos tribunais como oportunidade de debater pautas relacionadas ao ambiente e o desenvolvimento sustentável.
Essa pauta é especialmente cara à Atricon. Em 2021, por exemplo, uma resolução da associação elencou diretrizes com o objetivo de melhorar a fiscalização dos tribunais sobre a gestão florestal no país. Em parceria com TCE-AM, TCE-RO e Transparência Internacional, a Atricon lançou, em 2022 um e-book gratuito com as diretrizes para a atuação do controle externo da gestão ambiental. E, em 2023, foi o Guia de Controle Externo da Gestão Florestal e de Uso do MapBiomas Alerta. Voltado aos tribunais de todo o país, o guia apresenta uma seleção de temas prioritários em cada Estado, além de propostas de ações de monitoramento da atuação dos órgãos de fiscalização ambiental.
Outra frente, é a verificação da oferta de educação ambiental nos currículos escolares por meio do projeto Marco de Medição de Desempenho dos Tribunais de Contas. A iniciativa é a principal ferramenta de avaliação dos órgãos de controle. Os TCs que realizarem a fiscalização dessa oferta, entre outras ações, recebem uma espécie de pontuação e passam a obter uma melhor classificação em relação a sua atuação. A ação tem um importante papel na indução da adoção de boas práticas pelo Sistema de Controle Externo.
Os Tribunais de Contas não têm ação direta sobre a gestão e a fiscalização de florestas, rios e fauna, mas têm muito a contribuir para a preservação, como, por exemplo, acompanhando e inspecionando o trabalho das agências executivas responsáveis pela gestão e pela fiscalização ambiental do país. Essa é apenas uma forma de colocar a crise ambiental no centro das atenções. É preciso fazer muito mais, e isso tem de vir do poder público, da sociedade civil e dos agentes econômicos. Que não se perca mais tempo.
Cezar Miola – Conselheiro-ouvidor do TCE-RS e vice-presidente de Relações Político-Institucionais da Atricon.