A LRF faz 22 anos esta semana e os Tribunais de Contas (TCs) têm a missão de zelar pela sua observância. O tamanho da crise fiscal naquele final do Séc. 20 – dívida e folha de pessoal sem controle e baixos níveis de planejamento e transparência – sinalizava que a jornada para uma nova cultura fiscal seria trabalhosa. Havia outras pedras: a) a nova lei alcançaria todos os entes da federação, o que gerou reações sobre o seu caráter antifederativo; b) o déficit de governança dos municípios; c) a não atualização da Lei 4.320/64, que trata das normas gerais sobre Direito Financeiro; d) a ideologização do tema; e) a complexidade do texto.
A esperança, porém, não era vã. As lutas vitoriosas pela redemocratização e a superação da hiperinflação, travadas anos antes, justificavam certo otimismo. A despeito dos desafios do presente, os indicadores fiscais que formam os pilares da LRF – transparência, planejamento, limites (pessoal e dívida) e controle – avançaram nesses 22 anos. A ideologia deixou de ser um estorvo: é possível reduzir desigualdades com responsabilidade.
Os TCs diminuíram assimetrias e priorizaram a fiscalização da LRF. Sendo o Brasil uma federação com diferentes realidades entre seus entes e diante da autonomia interpretativa de cada Tribunal, houve, de fato, divergências sobre aspectos da lei, como o limite de “pessoal”. Dissonâncias que teriam sido minoradas caso o Congresso tivesse criado o prometido Conselho de Gestão Fiscal. Recente alteração da norma, contudo, clareou muitos dos pontos controversos, prenunciando maior uniformidade. O aprimoramento da LRF também se verificou na pandemia, com a introdução de novas exceções às regras para os tempos de calamidade.
No TCE-PE, que manteve uma interpretação predominantemente estrita, há o monitoramento permanente da gestão fiscal quanto aos limites de pessoal e à transparência. Hoje, 60% dos Municípios cumprem o limite de pessoal, nunca extrapolado pelo Estado; 15 milhões em multas já foram aplicadas em gestores que infringiram a LRF; há alguns anos, apenas 15% dos municípios tinham níveis aceitáveis de transparência, número que saltou, em 2020, para 90%; a afronta à LRF tem sido uma das principais causas de rejeição de contas.
Apesar deste balanço de viés positivo, a atual quadra de erosão das instituições e do Estado de Direito, somada a orçamentos secretos e adiamento de precatórios, alerta-nos que a responsabilidade fiscal, qual a democracia e a inflação, precisa ser arada sempre. Nesses temas fundamentais, todos os dias são dias de trabalho.
Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE-PE