A igualdade social é um horizonte, portanto, inatingível. Toda sociedade de estrutura complexa é organizada hierarquicamente. Não se trata de diferenças individuais e sim de inevitável estratificação social em dirigentes e dirigidos. O poder é sempre apanágio de uma minoria, isto é, de uma elite.
A História, como disse Pareto, é um cemitério de elites: o patriciado romano, o baronato feudal, a nobreza nas antigas monarquias etc. Mas, se as elites passam, sempre haverá uma elite. É certo que na história ocidental a desigualdade social se reduziu. Ela era maior entre senhores e escravos, na antiguidade, do que entre barões e servos, na Idade Média, e, esta, maior do que a existente entre capitalistas e proletários, nos tempos modernos.
Nas sociedades de estrutura complexa, quando emergem os antagonismos de interesses entre os diversos segmentos que as compõem, existem, necessariamente, a direita e a esquerda. Escrevi, no passado, que a esquerda é um movimento e a direita é uma situação. Mas, só é esquerdista o movimento que se propuser a combater desigualdades sócias. O nazi-fascismo foi um grande movimento de direita, já que repudiava o próprio ideal de igualdade social. Tradicionalmente, a direita, elitista, é conservadora (manutenção do status quo) ou reacionária (retorno ao passado próximo). A esquerda pode ser revolucionária ou reformista. Comunismo e nazi-fascismo foram modalidades extremadas de esquerda e direita. Mas, estas são legítimas e inevitáveis. Sempre existiram nas sociedades complexas.
Essa oposição, pacífica ou violenta, foi fator crucial na História. Em Roma, Cesar estava à esquerda de Catão e de Cícero, preclaro defensores dos privilégios do patriciado. Todavia, pugnar pela redução ou abolição de uma determinada desigualdade social não implica pretender a implantação da igualdade. César nunca propôs suprimir a escravidão, que era o meio de produção na sua época.
O programa econômico não é um dado seguro para distinguir essas orientações políticas. Na Revolução Francesa, os monarquistas (direita da época) sustentavam o controle da economia pelo estado, enquanto os revolucionários (esquerda da época) pregavam a liberdade econômica. Hoje a situação se modificou: é a direita que condena a intervenção do estado na economia, ao passo que a esquerda a reclama. Nem sempre há uma relação direta entre interesse econômico e posição política. O apoio decisivo aos nazistas não foi dado pelos grandes proprietários e sim pelas classes médias. Não me parece correto dizer que alguém é da direita ou da esquerda.
Mais apropriado seria afirmar: A está à direita ou à esquerda de B. Assim, o critério é o de relação. Realmente a posição política é uma questão de configuração histórica. Conforme a conjuntura, as posições podem inverter-se: o esquerdista de ontem se transformar no direitista de hoje e vice-versa.
Daí, alguns cépticos concluírem que a esquerda, no poder, tende a “endireitar-se”. Mas, também, alguns governantes de ostensiva mentalidade direitista (apreço às elites, desprezo pelas massas, ordem muito acima da justiça) promoveram, objetivamente, mudanças esquerdistas. Exemplos: Napoleão, ao romper as relações feudais na Europa sob seu domínio, ou Bismarck, ao instituir a primeira legislação social do Ocidente.
No largo espectro da esquerda, o marxismo foi a mais elaborada e prestigiosa corrente ideológica. Surgiu no mundo industrial do século XIX como crítica do sistema capitalista. Na interpretação da História, o marxismo se baseia no materialismo filosófico: primado dos fatores objetivos (sociais e econômicos).
Já a direita, de um modo geral, se inspira na filosofia idealista: predominância dos fatores subjetivos (ideias, crenças, ação dos grandes indivíduos etc.). Marx previu uma sociedade sem classes e, portanto, sem conflitos sociais.
Mas, a História não confirmou a sua profecia. Toda sociedade complexa é inevitavelmente conflituosa. A democracia busca a resolução pacífica dos conflitos e nela a maioria ora pende para a direita, ora para a esquerda. A ditadura pretende abafar os antagonismos sociais pela força.
Humberto Braga
Conselheiro aposentado do TCE/RJ