Distância salutar
Iran Coelho das Neves*
Na apreciação das contas públicas não há margem de tolerância para aquilo que arranhe, mesmo que levemente, os limites legais ou os princípios de economicidade, eficiência, eficácia e moralidade.
Isto posto, não compete aos Tribunais de Contas, por seus membros investidos da condição de magistrados incumbidos de avaliar a correção nos gastos públicos, estender, para além dos estritos contornos da legislação vigente, olhar de ‘compreensiva ponderação’ diante de fato jurídico-administrativo imperfeito ou transgressivo, ainda que não propriamente derivado de má-fé.
Como não constitui objeto deste breve artigo incursionar pelo território que abrange leis e jurisprudências em torno das atribuições dos Tribunais de Contas, invoca-se aqui a boa e velha ética pública, para refutar de pronto qualquer condescendência ou concessão no juízo das contas públicas. Ainda que sob a alegação de um discutível ‘bom senso’, arguido por alguns que confundem sensatez com transigência.
Ao contrário do que ocorre nas diferentes instâncias do Poder Judiciário, onde, no mais das vezes não existe, providencialmente, qualquer proximidade entre o magistrado e o cidadão objeto de seu julgamento, nos Tribunais de Contas estaduais as relações com os chamados entes jurisdicionados – Estado e Municípios – comumente transcendem os limites institucionais, tornando-se pessoais e até amistosas.
Essa proximidade decorre da própria natureza institucional dos Tribunais de Contas, crescentemente voltada a prevenir ilegalidades e a conter e corrigir distorções nas administrações públicas jurisdicionadas, através de uma série de instrumentos, dos quais as inspeções são apenas uma dentre muitos.
Contudo, tal interação, no exclusivo interesse de preservar o erário e assegurar a eficácia e a moralidade na gestão pública, não deve ser confundida, jamais, com condescendência ou tolerância que, no extremo, poderia se caracterizar como intolerável cumplicidade.
Estamos empenhados em ampliar as ações estratégicas que o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul tem desenvolvido, nos últimos anos, de convergência orgânica com os entes jurisdicionados, tanto através de ferramentas digitais de vanguarda, quanto via capacitação de quadros, qualificando-os não só para a correta prestação de contas, mas para a destinação eficiente dos recursos públicos.
À medida que se aprofunda essa interação institucional, mais e mais as relações entre a Corte de Contas e os gestores públicos do estado e dos municípios se tornam impessoais, beneficiando diretamente a governança e a sociedade, que paga impostos, gera demandas legítimas e cobra aplicação correta de seus tributos.
Neste sentido, os avançados suportes tecnológicos que possibilitam ferramentas digitais cada vez mais confiáveis e céleres para o controle e fiscalização dos gastos públicos, garantem crescente vigor e dinamismo a instituições como os Tribunais de Contas.
O que significa cada vez mais rigor e eficácia em defesa do erário e de práticas eficientes de gestão pública. E, em última instância, delimita o saudável distanciamento institucional entre a Corte e os agentes públicos responsáveis pelas contas sob julgamento.
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*Iran Coelho das Neves é Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul