Eleições e interesses


Por que pessoas pobres e da classe média, que se beneficiariam de políticas públicas para ampliar o gasto público e tributar mais pesadamente os ricos, votam em políticos que, uma vez no Executivo ou no parlamento, implementam políticas públicas que concentram renda?

Em primeiro lugar, os que defendem políticas que prejudicam os mais pobres e beneficiam os mais ricos dificilmente serão explícitos sobre isso. Como os pobres e a classe média são a grande maioria do eleitorado, defender essas medidas abertamente seria contraproducente. Quando são defendidas antes das eleições, elas vêm com roupagem de ineficiência do Estado, de que o governo é essencialmente corrupto e por isso deve ser o menor possível.

Gramsci desenvolveu o conceito de hegemonia, que consiste basicamente em que a classe dominada incorpora a ideologia da classe dominante como se fosse sua. Não por acaso, há muita gente sem nenhum capital que adota a ideologia do sucesso, da capacidade de empreender e inovar como parte de suas crenças. Apoiar candidatos que defendam a redução do Estado é um passo óbvio.

Outro ponto que atrai eleitores para candidatos com interesses econômicos contrários aos seus é a pauta de costumes. Paul Krugman explorou esse aspecto em artigo recente no New York Times. Ser a favor da família, da religião e da pátria une ricos e pobres. Após a eleição, essa pauta continua nos discursos políticos, mas o político eleito da classe dominante tende a votar para ampliar subsídios e isenções dos ricos e promover cortes na saúde pública, por exemplo. Krugman atribui a esse fator o grande número de votos do Partido Republicano, que, nos últimos anos, se concentrou nisso para buscar votos, já que redução de tributos dos ricos e menor gasto público não conseguia ter muito apelo.

Claro que há muito mais coisas e simplificar processos complexos é arriscado. Por exemplo, exercem papel ameaças de fugas de capital se políticas muito progressistas forem implementadas, campanhas de desinformação etc. Na medida em que a sociedade se desenvolve, que o senso crítico se amplia e os debates públicos se aprofundam os eleitores podem se posicionar melhor de acordo com seus interesses. Há várias indicações, inclusive no Brasil, de que isso é possível.

Edilberto Pontes – Presidente do Instituto Rui Barbosa e vice-presidente do TCE Ceará.