João Antonio
“A sinceridade, quando desvinculada do bom senso e da leitura adequada da situação, pode ser ineficaz ou até mesmo contraproducente. Agir com inteligência requer ajustar forma e conteúdo ao contexto. Cuidado com o “sincericídio”!!”
A realidade, com toda a sua complexidade e ambiguidade, raramente se apresenta de maneira plena ou definitiva. Viver em sociedade exige uma negociação contínua entre o que se é, o que se deseja parecer e o que se busca alcançar. Nesse terreno de incertezas e mediações, conceitos como simulação e dissimulação tornam-se relevantes, não apenas do ponto de vista moral, mas também como estratégias de adaptação nas relações humanas. O convívio exige sabedoria prática: a capacidade de discernir o momento certo de agir, de se revelar ou de se resguardar, considerando o contexto e os efeitos de cada gesto.
A distinção entre simular e dissimular revela dois caminhos distintos de operar sobre a aparência. Simular é construir uma fachada para algo que não existe — uma forma de criar uma realidade que se deseja ver instaurada, mesmo que ela ainda não exista de fato. Já dissimular é esconder o que existe, apagando sinais, desviando olhares, silenciando evidências. Em termos simples, a simulação fabrica uma ilusão, enquanto a dissimulação esconde uma verdade. Ambas são formas de manipular a percepção alheia, mas o fazem por vias diferentes e, muitas vezes, com finalidades estratégicas.
Essas práticas, longe de representarem meros desvios éticos, integram o repertório humano de sobrevivência diante das adversidades da vida. Interagir pressupõe compreender as regras do jogo social, o peso das palavras e dos silêncios, bem como suas repercussões no plano dos fatos — saber, sobretudo, o momento adequado de se posicionar. A verdade, nesse contexto, não se impõe como um dado bruto ou absoluto, mas como uma construção mediada pelas circunstâncias, pelos interesses em disputa e pelas relações de poder em curso. Agir com inteligência requer sensibilidade, percepção das nuances e capacidade de adaptação — qualidades indispensáveis para a convivência em ambientes marcados pela complexidade.
No cotidiano, posicionar-se diante de situações desafiadoras exige discernimento. É fundamental compreender o que está em jogo, quem são os interlocutores e quais os objetivos envolvidos. Nessa dinâmica, verdade e mentira não se anulam, mas coexistem de forma dialética, compondo o delicado equilíbrio das relações humanas. A comunicação torna-se, assim, uma prática estratégica: o modo como se diz importa tanto quanto o que se diz. A sinceridade, quando desvinculada do bom senso e da leitura adequada da situação, pode ser ineficaz ou até mesmo contraproducente. Agir com inteligência requer ajustar forma e conteúdo ao contexto. Cuidado com o “sincericídio”!!
Simular, nesse sentido, pode ser uma tentativa legítima de projetar um futuro desejado ou de explorar possibilidades ainda em aberto. Dissimular, por sua vez, pode servir como proteção diante de incertezas, como forma de ganhar tempo até que a situação se torne mais clara ou segura. Quando bem dosadas, essas práticas podem favorecer o equilíbrio emocional e estratégico diante das dificuldades. Saber quando calar, quando falar, e como agir em cada situação é parte do amadurecimento humano — e não há fórmula pronta para isso, apenas sensibilidade, prudência e aprendizado.
Antes de se lançar de corpo e alma em qualquer empreitada, é essencial compreender as circunstâncias que a envolvem. A vida é uma mediação constante — entre o que somos e o que desejamos ser, entre o que mostramos e o que ocultamos, entre o que o outro percebe e os desejos que projetamos. Cada pessoa conhece, à sua maneira, as dores e delícias de ser quem é — e essa experiência singular molda a forma como nos colocamos no mundo. Interagir, portanto, é também mediar: palavras, gestos e ações. Essas mediações devem ser ajustadas com cuidado ao campo relacional em que se inserem. Simular e dissimular, nesse contexto, não são fraudes morais, mas ferramentas do convívio e da arte de viver com inteligência.
João Antonio é conselheiro do TCM-SP e vice-presidente da Atricon