Entrevista ao DCI: Presidente fala sobre "pedaladas", LRF e Atricon

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image1) A decisão do TCU de rejeitar as contas da presidente Dilma Rousseff no ano de 2014 representa um marco nas história desses órgão de controle externo?

Valdecir Pascoal — Sem dúvida. O conteúdo do chamado “Parecer Prévio” sobre as contas de governo, que há alguns anos englobava apenas aspectos contábeis-formais da gestão, ganhou relevância após a Lei de Responsabilidade Fiscal. É comum termos contas de Prefeitos consideradas irregulares (especialmente porque acumulam a função política e de ordenador de despesas), já houve casos também de alguns governadores terem Parecer Prévio negativo, mas no âmbito federal havia apenas um caso na história da época do governo Vargas. Estou certo de esta quebra de paradigma será salutar para a governança pública e repercutirá positivamente no exame das contas apreciadas pelos Tribunais de Contas de Estados e Municípios, sem falar que reforçou a importância da responsabilidade fiscal para a boa governança pública.

2) A decisão do TCU mereceu críticas fortes por parte dos defensores da presidente Dilma. a exemplo do deputado Wadih Damous (PT-RJ), ex-presidente da OAB-RJ, para quem o TCU e os TCs, de modo geral, são “um playground de políticos fracassados, uma sinecura composta por apaniguados que não têm conhecimento jurídico”. Como o senhor avalia essa colocações do parlamentar?

Valdecir Pascoal — Uma completa falta de respeito pelas Instituições. As pessoas podem discordar do entendimento final do TCU, mas não a partir de argumentos como os usados pelo citado parlamentar. O TCU — e, de resto, os Tribunais de Contas de Estados e Municípios brasileiros — são integrados por um dos melhores quadros técnicos do país, todos os processos têm a participação do Ministério Público de Contas, e seus membros merecem o devido respeito, pois emitem seus votos com a observância do devido processo legal e de forma motivada. A forma de composição dos colegiados dos Tribunais de Contas foi aprimorada com a Constituição de 1988, é legítimo o debate sobre possíveis alterações de alguns critérios, mas os argumentos utilizados pelo parlamentar, para dizer o mínimo, é um acinte ao bom senso. A rigor, esse tipo de reação é a prova de que os Tribunais de Contas estão desagradando aqueles que não têm compromisso com a república.

3) A base aliada do governo no Congresso e a própria presidente Dilma Rousseff afirmam que os julgamentos do TCU são apenas pareceres e não têm força decisória a favor ou contra as contas de governo, o que compete aos parlamentos. Isso tem se repetido nos governos estaduais?

Valdecir Pascoal — De fato, em se tratanto das chamadas Contas de Governo, os Tribunais de Contas emitem um Parecer Prévio que, ao final, será apreciado pelo Congresso Nacional. Mas isso não retira a importäncia do Parecer. Ele é elaborado pela área técnica do Tribunal, é submetido ao contraditório, e, ouso dizer, que, hoje, este Parecer constitui um dos documentos públicos mais importantes para a sociedade saber o comportamento dos governos em relação ao cumprimento do orçamento, dos princípios da responsabilidade fiscal e da efetividade das políticas públicas. O Parecer Prévio emitido pelos Tribunais de Contas se transforma, a cada dia, é um dos principais instrumentos de controle social, independentemente do julgamento do Legislativo. O modelo é o mesmo para os Estados. Apenas nos municípios é que a Câmara de Vereadores só pode desconsiderar o Parecer do Tribunal pelo voto de 2/3 dos Vereadores.

4) Em entrevista, o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, afirma que os prefeitos são punidos, presos e viram fichas sujas, impedidos de concorrer novamente em eleições, se tem suas contas rejeitadas pelos tribunais. Isso deveria valer para todos os dirigentes públicos?

Valdecir Pascoal — A rigor, vale para todos. No caso dos Prefeitos, observamos mais punições, e até inelegibilidades, porque eles atuam, no mais das vezes, como ordenadores de despesas. Quando isso acontece, eles recebem o Parecer Prévio dos Tribunais de Contas, mas também têm suas “Contas de Gestão” (que são diferentes das “Contas de Governo”, pois estas contêm o real processamento das despesas: licitações, contratos, obras…) julgadas definitivamente pelo Tribunal, sem sujeição ao crivo político do Legislativo.

5) Como auditor de carreira, como o senhor avalia o fato de o governo haver alterado a meta fiscal do ano passado e deste ano por não ter condições de cumprir a que havia sido estabelecida, para não correr o risco de ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal?

Valdecir Pascoal — Respeito as opiniões contrárias, mas entendo que metas fiscais não podem ser alteradas no curso do próprio exercício financeiro. Metas são projeções. Levam em conta variáveis econômicas que podem se confirmar ou não. É natural. Mudá-las em pleno jogo é um atestado da fragilidade do planejamento orçamentário-fiscal. Por outro lado, não cumprir determinadas metas fiscais não significa, por si só, que houve crime. O fato é que ao final do exercício financeiro, os governos deveriam se posicionar sobre as metas fiscais não cumpridas e expor os motivos econômicos e fiscais que impediram o seu atingimento. Os argumentos expostos podem ou não ser razoáveis. Caberá aos órgãos de controle e ao povo, na hora de votar, o juízo técnico e social da não observância da meta.

6) As chamadas “pedaladas fiscais” são irregularidades que têm de ser punidas, não podendo ser desconsideradas mesmo que o governo tenha coberto os empréstimos tomados dos bancos públicos? Enfim, o senhor teria alguma avaliação se essas irregularidades são argumentos suficientes para um pedido de impeachment, como alegam os pedidos de impedimento da presidente em tramitação na Câmara dos Deputados?

Valdecir Pascoal — Como não conheço detalhes do caso concreto, tenho tido a cautela na hora de opinar sobre o mérito das referidas contas. Em tese, irregularidades orçamentárias e fiscais podem sim ensejar responsabilizações no campo político. No entanto, o instituto do impeachment é da soberana alçada do Poder Legislativo. Neste caso, o papel dos Tribunais de Contas encerra com a emissão do Parecer Prévio.

7) Os mais recentes encontros dos TCs reafirmam a importância de avaliação dos gastos públicos quanto à sua eficácia. O que é isso?

Valdecir Pascoal — O apego do controle aos aspectos formais da gestão é fruto de nossa tradição latina, por isso a fiscalização exercida pelos Tribunais de Contas, durante muito tempo, deu prioridade ao controle da legalidade estrita dos atos de gestão. A partir da nova Constituição, que, inspirada na tradição anglo-saxã, estatuiu expressamente o controle da eficiência do gasto público (controle operacional, CF, art. 70), os Tribunais passaram a olhar, cada vez mais, para a qualidade do gasto. É dizer: não adianta cumprir o orçamento, licitar e contratar sem irregularidades formais; não adianta cumprir os limites fiscais e financeiros se o gasto público não tiver efetividade social. Exemplo: um gestor que aplica o percentual mínimo da receita em saúde e educação mas os indicadores nessas áreas apontam que os gastos não são efetivos, não estão alterando, para melhor, a qualidade de vida dos cidadãos, esse gestor deve ter suas contas julgadas irregulares. A propósito, durante o XXVIII Congresso dos Tribunais de Contas, realizado em Recife, em dezembro de 2015, a Atricon (Associação dos Membros dos TCs do Brasil) aprovou uma nova Resolução que recomenda a todos os Tribunais um controle prioritário do novo PNE – Plano Nacional de Educação, tanto sobre os aspectos financeiros, mas sobretuto quanto à qualidade do gasto. Despesa pública existe para mudar a vida das pessoas e se isso não acontece ela é ilegítima, irregular.

8) Qual os principais avanços, ameaças e desafios de sua atual e da próxima gestão à frente da Atricon?

Valdecir Pascoal — A nossa prioridade continuará sendo o aperfeiçoamento contínuo dos Tribunais de Contas. Avançamos sobremaneira nos últimos tempos, mas existem muitas oportunidades de melhoria. O nosso programa QATC – Qualidade e Agilidade dos Tribunais de Contas, que emgloba as Resoluções-Diretrizes da Atricon e o MMD-TC – Marco de Medição do Desempenho dos Tribunais de Contas, ferramenta de avaliação e disgnóstico de padrão internacional que contempla mais de 500 indicadores de boa práticas para Tribunais de Contas, aponta o caminho da excelência institucional e é fundamental para diminuirmos assimetrias que ainda existem entre os 34 Tribunais. Por outro lado, não mediremos esforços para defender os Tribunais de Contas e seus membros, no Legislativo e no Judiciário, contra iniciativas provenientes de segmentos que querem o enfraquecimento do controle, justamente em razão dos avanços de nossa atuação na prevenção da corrupção e da ineficiência.

9) Os TCs estão cumprindo seu papel no que refere à aplicação da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas nas compras governamentais.

Valdecir Pascoal — A partir das parcerias entre os Tribunais de Contas e o Sebrae, iniciadas em 2010, e com a aprovação em 2014 de uma Resolução específica da Atricon recomendando a fiscalização prioritária do Estatuto da MPE, houve uma evolução substancial. Com o advento da LC 147, que reforçou o papel das MPE nas compras governamentais e, por conseguinte, da responsabilidade dos TCs, procuraremos sensibilizar, cada ves mais, os Tribunais a instituirem capacitações específicas para gestores e avaliação do cumprimento da lei nas contas de governo e de gestão. Um olhar prioritário dos Tribunais de Contas sobre a Lei Geral da MPE, além de dever constitucional, contribuirá para a retomada do desenvolvimento econômico e para o equilíbrio fiscal das contas públicas, especialmente nos pequenos e médios municípios brasileiros.

10) Como ficou a aprovação do projeto que o Conselho dos Tribunais de Contas, nos moldes do CNJ.

Valdecir Pascoal — Esse é outro objetivo prioritário da Atricon e reforçaremos nossas energias, neste ano de 2016, para sensibilizar o Congresso Nacional a aprovar o CNTC. A criação desse conselho, sabemos, não resolverá todos os nossos desafios, assim como o CNJ e o CNMP não acabaram os problemas no Judiciário e no Ministério Público, mas, para nós, Tribunais de Contas, ele se revela ainda mais necessário, na medida em que não existe qualquer instância ou entidade pública (de Estado) que congregue e pense estrategicamente as ações do “sistema” Tribunais de Contas e que também possa atuar na questão ético-disciplinar. Estou certo de que todo esse contexto atual, em que as instituições de controle mostram para a sociedade a sua relevância para a república e para a democracia, ajudará a convencer os Parlamentares para a criação do CNTC.