Os últimos escândalos da república, especialmente este último que envolve a Petrobrás, não nos permitem esquecer que os germes da corrupção e do patrimonialismo ainda teimam em corroer o erário nacional. A percepção de que as ações ilícitas ainda estão bem presentes em muitos setores da sociedade contribui, naturalmente, para gerar um sentimento de incredulidade e desconfiança do cidadão com o futuro do país.
De outra senda, por mais paradoxal que pareça, já diziam os sábios da antiguidade que as crises trazem imanentes as sementes das mudanças que permitirão a superação das suas mazelas e o atingimento de um ciclo de novos valores. Sem qualquer intenção de dourar a pílula sobre o atual contexto ou de querer isentar os responsáveis por esse verdadeiro assalto sistêmico aos cofres públicos, há sinais perceptíveis de que, a despeito de casos estarrecedores como esse, devemos esperançar dias melhores.
Aqueles que analisam a realidade de maneira mais equilibrada e olham racionalmente para o retrovisor do passado haverão de concluir que o primeiro grande sinal de esperança é a certeza de que a sociedade está mais esclarecida em relação ao papel dos governos e aos direitos e deveres que tocam aos cidadãos. Tudo isso em razão do maior acesso à informação, favorecido pelo fenômeno das mídias sociais, pelo contexto de liberdade de imprensa e também por haver mais transparência nas contas públicas.
Além disso, mesmo diante da necessidade de aprimoramentos, é inquestionável o avanço da atuação dos órgãos públicos de controle, a exemplo do Ministério Público, da Polícia Federal, dos Tribunais de Contas e do Poder Judiciário. É forçoso reconhecer que após a grande inflexão propiciada pela redemocratização do país, essas instituições vêm dando mostras de que, mediante uma atuação integrada, técnica e harmônica — respeitando-se o papel e as competências específicas de cada uma e sem caírem nas armadilhas dos egos corporativos ou na falsa ilusão de heroísmos circunstanciais — é possível que os atos de corrupção sejam desvendados com mais efetividade, permitindo a responsabilização dos culpados e mitigando a sensação de impunidade. A propósito, é emblemática, neste último episódio, a confirmação de que a corrupção não é “privilégio” de agentes públicos, haja vista a participação ativa de segmentos poderosos da iniciativa privada na sua execução.
Todos concordamos que a educação é, de fato, a grande vacina para se combater a corrupção. A curto e médio prazos, porém, é a democracia que nos pode fornecer o melhor antídoto. Assim, uma reforma política que racionalize os processos eleitorais e diminua a influência do poder econômico nas eleições é fundamental. A rigor, a corrupção eleitoral vem sendo o estopim de quase todas as nossas crises. O atual modelo de financiamento de campanhas políticas acaba, amiúde, levando ao enriquecimento ilícito de grupos e pessoas e a contrapartidas ilegais, sob a forma de privilégios indevidos, em licitações e contratos, e de subsídios antieconômicos. Essa reforma, a mais urgente no momento, deveria se constituir na grande bandeira dos movimentos sociais e do Congresso Nacional, que deveriam investir suas energias, complementarmente, em ações voltadas ao fortalecimento dos mecanismos de transparência da gestão pública e das instituições de controle.
Para demonstrar a capacidade de renovação do capitalismo, o economista austríaco Joseph Schumpeter forjou o conceito de “Destruição Criadora”, que, guardadas as medidas, pode ser aplicado à nossa atual conjuntura. Esse fundo do poço ético — aumentado pela descontrole econômico e fiscal e pelo déficit de governança pública em todas as esferas – pode ser o grande lumiar de um novo contrato social a ser firmado entre o poder público, a iniciativa privada e a sociedade.
Democracia, liberdade e instituições maduras são as principais garantias para a superação da grave crise que ora nos aflige. Culpar a democracia e disseminar o ódio à política é um erro que não temos o direito de cometer. Esperançar — a luz que emana de ações cidadãs construtivas— é preciso. Não é hora de berço esplêndido nem tampouco de arroubos ingênuos que nos levem a trilhar veredas antidemocráticas. Ao contrário, é momento de aprofundarmos a democracia e resgatarmos aquilo que se encontra lá no fundo da Caixa de Pandora.
* Valdecir Pascoal é conselheiro presidente da Atricon e do TCE-PE.