Confira a íntegra do artigo publicado neste domingo, dia 14 de julho, no jornal Diário de Cuiabá:
A Escola da Magistratura precisa funcionar
Julga bem quem julga o que conhece. Esse ensinamento filosófico do período socrático se aplica tanto ao campo das leis quanto ao campo dos fatos. O julgador deve conhecer bem a lei, assim como deve buscar amplo domínio dos acontecimentos, para ser razoável, justo, correto, e que sua decisão não se perca pela temeridade, irrazoabilidade, desproporção. É necessário domínio do conceito, de maneira que ao se aliar a pratica, promova-se justiça com “J” em caixa alta. Em minha opinião, faltou tudo isso na decisão da Juíza Célia Regina Vidotti, que nesta semana decidiu pelo afastamento das funções públicas dos ex – secretários de educação do governo Dante de Oliveira; Fausto Farias, Carlos Alberto Maldonado, Valter Albano da Silva e Antônio Joaquim, estes dois últimos ocupando a relevante função de conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso.
A sentença é totalmente alienígena à realidade nacional, uma vez que o problema da contratação temporária de professores não se circunscreve a Mato Grosso ou aos municípios do nosso Estado. Essa realidade de interinos trabalhando no magistério é realidade nacional, inclusive nas universidades públicas. Claro que o problema necessita ser enfrentado aqui e no Brasil inteiro. Mas esse enfrentamento necessita ser planejado, para que se consiga um amplo sistema nacional de cadastro de reserva com professores interinos sendo aprovados em concurso público. Hoje essa situação inexiste em Mato Grosso e no Brasil todo. Depois da decisão da juíza, que mandou inclusive demitir os atuais professores interinos, o secretário de educação veio a público para jogar luzes sobre o debate, demonstrando que 45% da rede é formada por esses professores. Cumprir a decisão da juíza seria estabelecer o caos na educação pública. A exigência do judiciário quanto à necessidade de concurso público é mais que salutar. Tomar uma decisão, 18 anos depois, sem estudar bem os prazos prescricionais e considerar improbidade contratações de professores interinos, sem os quais a rede educacional não funcionaria ou é jogar para a plateia, ou intencionalmente descer ao lamaçal, homens públicos, como os citados aqui, cujas biografias sempre foram conhecidas pela honestidade e retidão à frente do serviço público.
Fui colega de todos os citados na sentença da juíza, pois também tive a honra de ajudar Dante na administração de Mato Grosso. De todos eles, com quem menos convivi foi o secretário Maldonado, mas ainda assim posso afirmar que tem enormes qualidades de administrador. Depois de encerrado o governo Dante, portanto já fora do poder tive a alegria de visitar o apartamento em Rondonópolis, onde o médico Fausto Farias vivia com sua esposa, uma professora universitária. Nunca disse isso a ele, mas o acanhamento e a modéstia do apartamento fizeram-me sentir bem. Saí dali com a certeza que mesmo depois de Fausto ter sido prefeito de Rondonópolis, secretário de Administração, Educação e Fazenda em Mato Grosso sua vida era modestíssima. Só podia viver nessa situação quem compreendia bem o mister da função pública.
Sobre Valter Albano e Antônio Joaquim sinto a necessidade imperiosa de sair em defesa dessas duas personalidades públicas, neste momento em que é mais fácil jogar pedras e atacar. São homens honrados. Mato Grosso não teria feito o ajuste que fez, sem a coragem, determinação, honestidade e competência de Valter Albano, no comando do ajuste fiscal do Estado e sem a presença firme, correta e decisiva de Antônio Joaquim, tanto na Secretaria de Infra Estrutura, como na de Educação. Mato Grosso deve muito a eles. Ao contrário do que a juíza decidiu, seus nomes merecem estar na história como dois dos principais apóstolos do líder Dante na histórica tarefa de reorganizar o Estado. A juíza Célia foi desatenta com as leis e agrediu a verdadeira história de Mato Grosso.
Só mais um dado sobre os dois conselheiros. Juntamente com José Carlos Novelli foram os idealizadores de um planejamento estratégico do Tribunal de Contas, que fez daquela corte, uma instituição respeitada, a ponto de o conselheiro Antônio Joaquim ser convocado para ser o presidente de todos os tribunais de contas do Brasil.
A juíza pode ter tido a melhor boa fé, mas tropeçou nas leis ao atuar como juiz substituta na Vara Especializada de Ação Civil Pública e Popular, talvez pelo costume de dedicar sua atuação na Vara de Família.
Não faço o questionamento da competência do juízo de primeira instância em decidir sobre improbidade. Qualquer juiz pode sim decidir essas questões de improbidade. Nos casos de improbidade, apesar do foro por prerrogativa de função dos conselheiros e desembargadores ser do STJ, o juiz de primeiro grau pode sim decidir e é competente para isso. Agora a juíza não é competente para determinar a perda da função pública. Essa decisão é exclusiva do STJ. A jusrisprudência brasileira é remansosa sobre isso. Mesmo sendo a juíza competente para decidir sobre improbidade, no caso específico a decisão da magistrada contraria jurisprudência pacífica, tanto do TJ/MT, quanto do STJ, ao não enquadrar como improbidade essas contratações emergenciais de professores interinos.
Está evidenciado, pelas informações que circulam no meio jurídico e jornalístico, que faltou pesquisa básica nos anais do Judiciário. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso e o Superior Tribunal de Justiça têm sido criteriosos no julgamento de ações de improbidade administrativa manejadas contra decisões de contratação de professores temporários, especificamente quando não se registra a ocorrência de dano e lesão ao dinheiro e patrimônio públicos. Não se aplica as penas previstas na Lei.
Mais grave ainda é uma magistrada sentenciar com perda de função pública quem ela não tem competência para julgar, porque são vitalícios, gozam de garantias constitucionais. Os conselheiros de contas têm prerrogativas semelhantes aos desembargadores. Só podem perder função pública (aposentadoria compulsória) em decisão do Superior Tribunal de Justiça. Não em uma ação julgada em mutirão, às pressas, com 15 anos de atraso.
Diante de uma flagrante injustiça, nada mais sábio do que renovar a confiança no poder judiciário. O Brasil adota em sua constituição e como signatário do Pacto de San José da Costa Rica, o princípio do duplo grau de jurisdição, onde certamente essa sentença sucumbirá. Nenhuma temeridade quanto a isso. Os fatos são cristalinos demais.
O ruim em tudo isso é que publicada a sentença atinge-se a imagem de quem sempre agiu com correção durante toda a vida pública. Da mesma forma que nunca me furtei a condenar e combater os maus políticos, ou aqueles que tentam se locupletar na vida pública, nunca deixei de posicionar-me em defesa de questões que podem parecer difíceis, por causa da vigilante opinião pública. Defender os ex-secretários neste momento é defender um passado recente de conquistas do Estado de Mato Grosso e principalmente ficar em paz com a consciência.
A decisão da juíza Célia mostra que precisamos urgentemente ativar a escola da magistratura. O processo educacional necessita ser continuado. Ainda que com professores interinos, o correto funcionamento da escola da magistratura fará bem a sociedade.
*ANTERO PAES DE BARROS é radialista, jornalista, advogado, ex-vereador, deputado constituinte e senador da República. Escreve aos domingos no Diário de Cuiabá e diariamente no blogdoantero.com.br