Rodrigo Chamoun
Diante da crescente complexidade da administração pública, da escassez de recursos e da demanda por resultados concretos, os Tribunais de Contas enfrentam o desafio de exercer um controle externo mais inteligente, estratégico e eficaz. Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal acertadamente validou o artigo 177-A do Regimento Interno do TCE/ES, que institui critérios técnicos objetivos para a triagem de denúncias e representações.
Longe de representar omissão, essa diretriz de priorização estratégica — respaldada pela nova Lei de Licitações e por padrões internacionais de auditoria governamental — configura-se como instrumento legítimo e necessário de qualificação da atuação fiscalizatória.
Na vida institucional, assim como na esfera privada, toda escolha implica uma renúncia. No campo do controle externo, essa realidade se impõe com ainda mais força: é inviável fiscalizar tudo com a mesma intensidade e, simultaneamente, entregar resultados relevantes. Por essa razão, a priorização estratégica na fiscalização do setor público não apenas se justifica, como se revela indispensável.
O artigo 177-A do Regimento Interno do TCE/ES estabelece critérios objetivos — risco, relevância, materialidade, oportunidade, gravidade, urgência e tendência — para a triagem de denúncias e de representações. Trata-se de um filtro técnico que antecede a instrução processual e permite ao Tribunal direcionar seus esforços às situações com maior potencial lesivo ao erário ou com impacto social significativo.
Amparada em fundamentos normativos e critérios técnicos, essa diretriz favorece uma atuação mais ágil, focada e efetiva. Mais do que simples faculdade gerencial, a priorização estratégica configura-se como um imperativo de governança moderna e responsável. É mecanismo essencial para alocar energia e recursos em áreas de maior risco, de dano potencial elevado e de relevância pública incontestável.
Importa destacar que esse modelo possui sólido amparo normativo. A nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) determina que os órgãos de controle devem atuar com base nos critérios de materialidade, relevância, risco e oportunidade (art. 170). A priorização, nesse cenário, não constitui faculdade discricionária, mas obrigação legal voltada à racionalização do controle.
Mais do que isso, representa a superação de um modelo quantitativo, fragmentado e reativo, em favor de uma atuação qualitativa, estratégica e orientada para resultados concretos.
No plano internacional, a diretriz capixaba encontra respaldo nas recomendações da Declaração de Moscou (INTOSAI, 2019), que conclama as entidades de fiscalização a adotarem abordagem estratégica, com foco em impacto, em gestão de riscos, em análise de dados e em racionalidade dos processos. O artigo 177-A do Regimento Interno do TCE/ES, nesse sentido, configura-se como exemplo de modernização institucional ancorada em padrões globais de excelência em auditoria governamental.
Esse dispositivo foi recentemente validado, por unanimidade, pelo Supremo Tribunal Federal, que, ao julgar improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7459/ES, reconheceu sua compatibilidade com a Constituição e reafirmou a legitimidade da priorização como instrumento técnico de qualificação da atuação fiscalizatória.
A constitucionalidade do artigo foi sustentada no voto do ministro Dias Toffoli, que afastou a alegação de que a triagem comprometeria o direito à denúncia, afirmando que a seletividade é compatível com o controle social e constitui instrumento técnico que antecede o juízo de conveniência e de oportunidade. Destacou-se, ainda, que o conteúdo das manifestações recebidas não é descartado, permanecendo registrado e alimentando os sistemas de inteligência institucional do Tribunal.
É fundamental esclarecer: priorizar não é omitir, é escolher com responsabilidade. Longe de representar passividade institucional, a priorização estratégica traduz o exercício legítimo do critério de prioridade pública, orientado por parâmetros objetivos e transparentes. Trata-se de decidir o que fiscalizar e quando fiscalizar, com base em evidências, em relevância social e em potencial transformador da ação de controle. Essa escolha deliberada — e tecnicamente fundamentada — potencializa a efetividade da fiscalização. Priorizar, nesse contexto, é proteger o interesse público com método, clareza e coragem institucional.
Em um cenário marcado por crescente judicialização e elevada cobrança por resultados, o controle externo precisa ir além da mera reatividade. Precisa ser inteligente. O artigo 177-A traduz esse novo paradigma: uma Corte de Contas que fiscaliza com foco, que protege o interesse público com técnica e que não se rende ao simbolismo de números, mas à concretude dos resultados.
Nesse sentido, o julgamento da ADI 7459/ES pelo STF representa não apenas uma vitória do TCE/ES, mas de todo o sistema de controle externo. Cumpre destacar o papel institucional da Atricon, que, na condição de amicus curiae, atuou com excelência ao longo do processo.
Sob a liderança do presidente, conselheiro Edilson Silva, e do vice-presidente de Relações Jurídico-Institucionais, conselheiro Carlos Neves, a entidade mobilizou esforços técnicos e jurídicos que contribuíram decisivamente para a formação do convencimento da Corte. Essa conquista é fruto de um trabalho coletivo, comprometido com a boa governança pública, a eficiência institucional e a valorização do controle externo brasileiro.
Rodrigo Chamoun é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES)