Gagá e a Fsesp

Gagá e a Fsesp

Inaldo da Paixão Santos Araújo

Mestre em Contabilidade. Conselheiro-corregedor do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, professor, escritor.

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Sempre tive medo da morte. Por conseguinte, qualquer doença sempre me assusta. Mas como para todo mal há a cura, valorizo os que labutam com a saúde.

Recordo-me do meu primeiro contato com um médico. Até onde a memória, cada vez mais cansada, permite, relembro-me de minha mãe doente em casa. Era noite. Chovia. A febre insistia em não baixar. Os seus gemidos e tremores me atormentavam assim como os trovões. Eu, na minha inocência infantil, questionava Deus e perguntava o porquê.

No âmbito da minha crença, minha prece foi atendida. O médico, que naqueles tempos idos atendia em domicílio, chamado por meu pai, examinou-a, deu o diagnóstico e receitou a medicação que a curou.

Hoje, tenho três médicos e uma enfermeira na família. Quando preciso afastar meus fantasmas, socorro-me deles. Mas o conselho do mais idoso, Dr. Edgar Crusoé, meu sogro, sempre é mais valioso.

Gagá, para os íntimos, é aquele médico à moda antiga. Servidor público aposentado, durante toda a sua trajetória profissional prestou o seu labor na antiga Fundação Serviço Especial de Saúde Pública (Fsesp), como médico sanitarista.

Idealizada durante a Segunda Guerra Mundial, a Fsesp objetivava oferecer infraestruturas sanitárias. Posteriormente, canalizou esforços para amenizar os problemas de saúde nas regiões menos favorecidas do País.

A Fundação notabilizou-se no combate e prevenção das endemias e epidemias.

Como Gagá mesmo relata-me, ele ingressou na Fsesp em 2/01/1966. Logo foi trabalhar em Juazeiro-BA. Na Unidade Sanitária, desenvolvia atendimento ambulatorial, vacinas, consultas médicas e de enfermagem e farmácia; na Unidade Hospitalar, realizava clínica médica, cirúrgica e pediátrica.

Mas a Fsesp mantinha ainda unidades mistas que incluía assistência obstétrica.

Suas Unidades Sanitárias realizavam visitas domiciliares com o objetivo de prover ligações à rede de água, fossas secas, ligação de esgoto sanitário e trabalho educativo. As equipes visitadoras buscavam os faltosos das vacinas e investigavam doenças transmissíveis.

Cabe ressaltar que os serviços iniciais prestados incluíam a área de Engenharia Sanitária, com a construção de serviços de saneamento básico (água e esgoto).

O Serviço Odontológico atendia as escolas públicas. Foi pioneiro na aplicação tópica de flúor no Brasil.

A Fsesp coordenou, por muitos anos, o Programa de Imunização Nacional, considerado, então, um dos melhores do mundo. Sob orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), introduziu no Brasil o tratamento padronizado para tuberculose. Na região Norte do País, o foco era o combate à malária.

Até onde foi possível pesquisar, durante quase 50 anos de existência, a Fsesp chegou a atuar em 600 municípios brasileiros, operando 861 unidades básicas de saúde.

A Fsesp, assim como diversos outros serviços, foi extinta em 1991, quando foi criada a Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

Gagá […] mágoa não demonstra, mas relata que deu o seu contributo. Fez o que pôde. Na unidade de Coaraci, onde labutou por mais de 18 anos, perdeu a conta das vidas que trouxe ao mundo, assim como da quantidade daquelas que evitou que partissem antecipadamente.

Quando indagado sobre a Covid-19, diz-me resignado que o que mais o estarrece nesses sombrios tempos é o governo central não saber aproveitar o relevante papel da imprensa na divulgação das medidas possíveis para amenizar o impacto da pandemia. Informação com credibilidade é tudo.

Como conhecedor do papel da prevenção e combate das endemias e epidemias, confessa-me que, se o povo sair dessa calamidade com a conscientização sobre a importância de manter hábitos básicos de higiene, entre eles o de lavar as mãos, já será uma grande vitória.

Como relatei, quando menino assustado, percebi a importância do médico em família. Hoje, enquanto adulto aterrorizado, defendo a importância de esse País Continente valorizar a experiência exitosa do passado na área de saúde pública e de que ela possa nos oferecer um futuro esperançoso.