Graciliano Ramos e os Gastos Públicos

Valdecir Pascoal

As discussões sobre carga tributária, equilíbrio fiscal, renúncias de tributos, dívida pública, juros e corte de despesas estão na ordem do dia no Brasil. Na coluna anterior, refletimos sobre os novos cenários da reforma tributária, das renúncias fiscais e de seu controle, à luz de uma passagem marcante dos Relatórios de Gestão escritos por Graciliano Ramos entre 1929 e 1930. Se o exemplo do então Prefeito de Palmeira dos Índios em matéria de receitas públicas merece realce, o que dizer da sua postura em relação aos gastos? Sem pestanejar, respondo: ele foi, mais uma vez, exemplar e inspirador.

Mas, antes de Graciliano, um pouco do Brasil atual. Os desafios de uma Administração que preze a lei e a eficiência na aplicação dos recursos públicos nos acompanham desde 1500. A Constituição de 1988 dá as balizas, fixando os deveres do Estado em políticas públicas como educação, saúde, segurança e meio ambiente. Elas existem para garantir o desenvolvimento econômico, reduzir desigualdades, sem qualquer tipo de discriminação, em favor do bem comum.

Por outro lado, já se disse que “não existe almoço grátis”. Nunca é demais lembrar que quem financia as políticas públicas é o povo por meio do pagamento dos tributos, cuja aplicação cabe aos governantes eleitos e àqueles que exercem função pública. Ora, se é o povo quem banca, ele tem o direito de receber, de volta, a melhor gestão possível.

Não sou daqueles que só enxergam o lado vazio do copo. O Brasil avançou, sim, em muitos aspectos em matéria de políticas públicas, a exemplo dos programas de transferência de renda para os mais pobres, da ampliação do acesso à educação e do Sistema Único de Saúde (SUS). Tal evolução, porém, quase não se vê em relação à segurança pública, principalmente nos grandes centros urbanos, e é muito tímida ainda quanto à sustentabilidade ambiental.

A propósito, um levantamento publicado há poucos dias pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) revela que o Brasil ocupou, em 2022, a 24ª posição entre os trinta países de maior tributação (32,4% do PIB) e o último lugar no índice de retorno de bem-estar para a sociedade, que leva em conta o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Nesse contexto, ninguém põe em dúvida a necessidade de melhorar a aplicação dos recursos (os gastos), tanto do ponto de vista da regularidade (conformidade) como da eficiência (qualidade e resultados). O fato é que a sustentabilidade fiscal não virá somente pela via das receitas, ou seja, sem que, ao mesmo tempo, ocorra uma efetiva política de racionalização das despesas públicas. Isso se chama governança fiscal. No momento em que se debate a necessidade de revisão de gastos (spending review), incluindo os “tributários”, a reforma administrativa e previdenciária, o teto de salários, a polêmica desvinculação dos pisos da educação e da saúde e a redução das despesas com juros, nada melhor do que voltarmos às lições do Escritor Prefeito.

A seguir, outros trechos dos Relatórios, verdadeiras lições de responsabilidade fiscal, sensibilidade social, impessoalidade, integridade e coragem para decidir e escolher prioridades:

– Consegui salvar em 70 dias 9:539$447. É pouco. Entretanto, fiz esforço imenso para acumular soma tão magra, para impedir que ela escorregasse de cá; suprimi despesas e descontentei vários amigos e compadres que me fizeram pedidos.

– O principal, o que sem demora iniciei, o de que dependiam todos os outros, segundo creio, foi estabelecer alguma ordem na administração. Dos funcionários que encontrei em janeiro do ano passado restam poucos. Saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não são necessários, cumprem as suas obrigações e, sobretudo, não se enganam em contas.

– Procurei sempre os caminhos mais curtos. Nas estradas que se abriram só há curvas onde as retas foram inteiramente impossíveis.

– Pensei em construir um novo cemitério, pois o que temos dentro em pouco será insuficiente, mas os trabalhos a que me aventurei, necessários aos vivos, não me permitiram a execução de uma obra, embora útil, prorrogável. Os mortos esperarão mais algum tempo. São os munícipes que não reclamam.

– Acho absurdo despender, um município que até agora nada gastou com a instrução, 2:000$000 para manter uma banda de música.

– Há quem ache tudo ruim, e ria constrangidamente, e escreva cartas anônimas, e adoeça, e se morda por não ver a infalível moroteirazinha, a abençoada canalhice, preciosa para quem a pratica, mais preciosa ainda para os que dela se servem como assunto invariável; há quem não compreenda que um ato administrativo seja isento de lucro pessoal.

– Fechei os ouvidos, deixei gritarem, arrecadei 1:325$500 de multas. Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates. Todos os meus erros, porém, foram erros da inteligência, que é fraca. Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome. Não me fizeram falta. Há descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por estes dois anos dependesse de um plebiscito, talvez eu não obtivesse dez votos.

Volto eu. Talvez não tivesse dez votos, é verdade, mas, por outro lado, não teria sido reconhecido, pela história, como um estadista. Escolhas. Destinos.

Valdecir Pascoal – Conselheiro-Presidente do TCE-PE