O primeiro painel do IV Congresso Ambiental dos Tribunais de Contas (CATC), realizado na manhã desta quinta-feira (23), com o tema “Governança Local e Emergência Climática: Defesa Civil e Prevenção de Catástrofes como Foco das Políticas Públicas Ambientais Municipais”, trouxe vozes em uníssono: o Brasil está à beira do tipping point, ou ponto de não retorno e a única saída é a ação imediata, integrada e transversal entre União, estados, municípios, sociedade civil e setor privado.
Com a participação de Renata Andrade Santos, presidente da Rede de Governança Climática, Lincoln Muniz Alves, coordenador-geral do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e Carlos Afonso Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia, o painel foi conduzido por Élida Graziane Pinto, Procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo (MPC-SP).
Governança Transversal e Desafios da Educação
Renata Andrade Santos destacou a necessidade de uma governança climática transversal, e foi enfática: “o custo da negligência é alto.” Para ela, a morosidade com que as políticas públicas são aperfeiçoadas ou implantadas trazem prejuízos incalculáveis. “A primeira atualização da Política Nacional de Educação Ambiental, criada em 1999, só ocorreu 25 anos depois,” disse.
Roraima teve 994 focos de ondas de calor ocupando, hoje, o segundo lugar no ranking com focos de calor.” Não vamos perder mais 20, 25 ou 30 anos para poder colocar a educação ambiental nas escolas.”
De acordo com Renata, a Rede tem se destacado pelo pioneirismo em iniciativas de governança e educação como, o Score Climático, a primeira plataforma a calcular o IGC (Indicador de Governança Climática), e com o projeto de educação ambiental climática, que contempla a uma plataforma inclusiva e acessível para que as crianças tenham acesso à governança climática, desde cedo. O projeto inclui capacitação de professores, material didático adaptado e aulas práticas com uma estação meteorológica portátil.
Por fim, Santos trouxe exemplos de boas práticas dos Tribunais de Contas (TCs) brasileiros como agentes de transformação na governança climática, citando exemplos como o Observatório do Futuro, criado pelo TCE de São Paulo, o TCE do Rio Grande do Norte, líder no indicador IAZA (Índice de Avaliação de Sustentabilidade na Administração Ambiental), o TCE do Pará, que instituiu o Plano de Logística Sustentável (PLS), entre outros.
Em seguida, o coordenador-geral do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Lincoln Alves, reforçou em sua fala a urgência da adaptação climática e apresentou a iniciativa Adapta Cidades como um passo concreto do Governo Federal para integrar as políticas climáticas em todos os níveis.
“A iniciativa Adapta Cidades, traz esse chamado do federalismo climático, da integração, do multinível, que é o esforço entre estados, municípios e governo federal.”
De acordo com o coordenador, 581 municípios de todas as regiões do país já aderiram a essa iniciativa que é um clamor para que se avance na agenda de adaptação, e os tribunais de contas têm um papel fundamental nisso.
“A gente está falando de um impacto positivo em 52 milhões de pessoas. E são pessoas que vivem nessas cidades. Então, acreditamos que esse vai ser um esforço que vai dar bastante trabalho, bastante desafios, mas temos a convicção que é um esforço que vai valer a pena, e ficamos bastante felizes que os tribunais de contas estão conosco nessa, nessa iniciativa “, se referindo ao recente Acordo de Cooperação Técnica firmado entre o MMA o Instituto Rui Barbosa (IRB).
Ponto de Não Retorno à Vista: O Alerta que ecoa na Amazônia, exigindo ação local imediata
Encerrando o painel, o cientista Carlos Afonso Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia, trouxe uma análise contundente e um diagnóstico alarmante: o ponto de não retorno (tipping point) da floresta está perigosamente próximo estabelecendo a emergência climática como uma ameaça existencial e imediata, não apenas futura.
Com base em mais de 43 anos de pesquisa e nos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), ele documentou a severidade do aquecimento global, destacando o aumento recorde na temperatura dos oceanos e na energia da atmosfera, que intensifica todos os eventos extremos.
O especialista traçou um panorama sombrio, mas também apontou caminhos de esperança, enfatizando o papel crucial das políticas públicas na adaptação e prevenção de catástrofes.
O Planeta B Simplesmente Não Existe
Com a autoridade de quem acompanha a crise há décadas, Nobre abriu o debate com uma frase de impacto que resumiu a gravidade do momento: para a emergência climática, “não há Plano D, porque não há Planeta B.” Ele relembrou a ciência ignorada desde 1990 — a meta de não permitir que a temperatura ultrapassasse 1 grau e de zerar as emissões até 2000.
“Nada disso aconteceu,” sentenciou. “O ano passado bateu o recorde de emissões.”
O cientista não hesitou em atribuir a responsabilidade por eventos extremos à humanidade. Explicou que o aumento da frequência e intensidade dos desastres deve-se à “energia” extra na atmosfera. “2024 bateu todos os recordes de umidade na atmosfera, vapor d’água,” um combustível para a fúria dos fenômenos naturais.
Roraima e a floresta: sinais de colapso se multiplicam
A conversa se voltou para a Amazônia e, especificamente, para a realidade de Roraima. Nobre manifestou profunda preocupação com a atividade predatória na região, alertando que a mineração ilegal, com seu uso de mercúrio, se transformou em um “risco enorme para a saúde humana,” contaminando os peixes com metilmercúrio uma ameaça sistêmica em toda a Amazônia.
Os dados apontam para um quadro de degradação sem precedentes no ciclo hidrológico. O Sul da Amazônia já testemunha a estação seca se alongar em “quatro a cinco semanas” e a chuva diminuir em “20 a 30%,” enquanto a temperatura sobe “2, 3 graus.” O limiar da sobrevivência da floresta foi traçado: “Se a estação seca chegar a 6 meses, pronto, não mantém,” explicou.
Nobre citou a tragédia de outubro de 2023, onde a temperatura da água no Lago Tefé alcançou 40 graus resultando na morte de mais de 300 botos, como exemplo desse colapso hídrico e térmico.
“A Floresta Amazônica virou fonte de carbono. É gravíssimo, está na beira do ponto de não retorno.”
Em busca de soluções, o Prof. Nobre convocou o Brasil a assumir um papel de vanguarda, propondo a meta de zerar as emissões líquidas até 2040. Para isso, a política deve ir além do combate ao desmatamento ilegal, exigindo o “desmatamento zero de todos os biomas.”
Segundo ele, a estratégia de sobrevivência climática para o bioma é a restauração florestal, transformando o “arco do desmatamento” em um “arco da restauração.” A ciência por trás disso é clara: “Quando você replanta a floresta ela vai fazer chover mais, vai abaixar a temperatura. Então, é essencial fazer isso, muito rapidamente,” disse.
O cientista enfatizou a sociobioeconomia como um caminho de prosperidade sustentável, ilustrando seu potencial, explicando que o lucro desta economia de floresta em pé é “quase 100 vezes mais” do que a pecuária e a soja, gerando empregos “20 vezes mais” do que estas. A batalha, agora, é pela industrialização e pela criação de um Instituto de Tecnologia da Amazônia.
O Desafio da Cidade e a Urgência da COP 30
O foco da governança local foi direcionado para a adaptação urbana. Nobre destacou que o “grande perigo são as ondas de calor”, citando o calor excessivo como o maior responsável por mortes. O drama da cidade está na ausência de vegetação, que gera ilhas de calor 5 a 10 graus mais quentes que as áreas verdes adjacentes.
A resposta está na inovação urbana: o conceito de Cidades Esponja, que defende a restauração da vegetação urbana para gerir a água e o calor, foi apresentado como uma política pública essencial.
Em sua conclusão, o cientista elevou o papel da COP 30, a ser realizada em Belém (PA), em novembro de 2025. A conferência não pode ser “apenas mais uma,” mas sim “um divisor de águas na luta contra o colapso ambiental e climático.”
Finalizando com um fervoroso apelo, Prof. Nobre expressou sua convicção na capacidade de liderança do país: “Já não lideramos a Copa. O Brasil já foi o melhor time de futebol por muitas décadas, não somos mais. Mas vamos liderar a COP.” A missão é clara: “Vamos salvar a amazônia, o cerrado, o pantanal, a savana, Vamos salvar todos os povos brasileiros.”
O Papel Estratégico do Controle Externo
A moderadora, Élida Graziane Pinto, destacou a relevância do evento como uma oportunidade de incidir sobre o planejamento municipal e direcionar os recursos públicos para as prioridades climáticas.
“Nossos municípios têm uma oportunidade preciosa agora, que é a elaboração dos planos plurianuais. O PPA Municipal de 2026 a 2029, o próximo quadriênio, está em debate nas Câmaras de Vereadores. Então, é possível, sim, trazer essa prioridade temática para o ano orçamentário.”
A procuradora agradeceu a todos que participaram do painel, que trouxeram grandes contribuições, em especial ao professor Carlos Nobre, pela relevância de sua produção intelectual no campo ambiental.
IV CATC
O IV CATC acontece de 22 a 24 de outubro no Centro Amazônico de Fronteiras da Universidade Federal de Roraima (CAF/UFRR), em Boa Vista (RR). A edição deste ano tem como tema “Governança Climática e Justiça Socioambiental: o papel do Setor Público e dos Tribunais de Contas na construção da sustentabilidade”.
O evento é realizado pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Tribunal de Contas de Roraima (TCE-RR) e Instituto Rui Barbosa (IRB), em parceria com o Governo do Estado de Roraima e com a Universidade Federal de Roraima (UFRR) e tem patrocínio da Eneva e apoio institucional do Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas, da Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios (Abracom), da Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros Substitutos dos Tribunais de Contas (Audicon), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), da Defensoria Pública do Estado de Roraima (DPE-RR), do Ministério Público de Contas de Roraima (MPC-RR), do Ministério Público do Estado de Roraima (MPRR) e da Assembleia Legislativa do Estado de Roraima (ALE-RR). Esta quarta edição do congresso tem como mídia parceira a Fundação Rede Amazônica e a CBN Amazônia, e conta com o apoio da Econorte e da BRS.
Texto: Penélope Buffi (TCE-RR)
Foto: William Roth (Draco Digital)
Edição: Walquiria Domingues (TCE-RR)