IX ENTC: auditoras apresentam cenários de políticas de equidade racial nos Tribunais de Contas brasileiros

O debate sobre equidade racial dentro da programação do IX Encontro Nacional dos Tribunais de Contas (ENTC), em Foz do Iguaçu (PR), iniciou sensibilizando os participantes com um vídeo mostrando relatos do cotidiano de pessoas negras, em especial crianças, vítimas de racismo.

A mesa de discussão “Políticas Afirmativas de Equidade Racial nos Tribunais de Contas” reuniu, nesta terça-feira (12), Daiesse Jaala Bomfim, chefe da Divisão de Auditoria de Licitações e Contratos da Secretaria de Controle Interno da Advocacia-Geral da União (AGU), Walkiria Maciel, Auditora Fiscal de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC), e Marcela Timóteo, Auditora Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU). A composição da mesa de debate também faz História no evento por ter três mulheres negras.

Daiesse Quênia Jaala Santos Bomfim
Chefe da Divisão de Auditoria de Licitações e Contratos da Secretaria de Controle Interno da Advocacia-Geral da União (AGU)

O painel teve início com a Auditora de Controle Externo do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP), que introduziu o tema em debate apresentando um panorama geral sobre a questão racial no Brasil. Segundo ela, a questão da abolição inconclusa e o peso histórico da herança negativa da escravidão geram, até os dias atuais, um ônus relevante para a população negra em nosso país.

“O racismo é mais do que uma atitude, é uma relação social geradora de desigualdades, que organiza as desigualdades em um país como o Brasil”, afirmou Daiesse  Jaala, citando a filósofa Sueli Carneiro. A Auditora também é presidente da Comissão de Diversidade Racial do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA).

Para evidenciar suas colocações, a painelista trouxe dados sobre as desigualdades no Brasil, como o fato de que, em 2023, 82,7% das vítimas da letalidade policial foram negras, assim como 63,7% das vítimas de feminicídios. Por outro lado, 84,4% dos cargos gerenciais com os maiores salários no país são ocupados por pessoas brancas.

Daiesse apresentou ainda estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) conduzido em 2018 que apontou que, dentre 30 países, o Brasil só não teve mobilidade social pior do que aquela observada na Colômbia.

“Precisamos de políticas afirmativas. Estamos aqui para convencer os Tribunais de Contas sobre a adotarem cotas para pessoas negras em seus concursos e discutir a questão da representatividade. Se nossos órgãos não forem representativos, corremos o risco de planejarmos fiscalizações e políticas públicos sem conhecermos adequadamente a sociedade”, concluiu ela.

Marcela de Oliveira Timóteo
Auditora Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU)

A auditora do TCU Marcela Timóteo citou exemplos de concursos públicos que não trazem cotas raciais, incluindo aqueles do sistema Tribunais de Contas. Em contrapartida, ela demonstra o aparato legal existente que prevê a reserva de vagas para a população negra nos certames, mesmo naqueles Estados que não possuem leis específicas sobre a temática.

A explanação de Marcela Timóteo trouxe também os novos encaminhamentos que os Tribunais de Contas estão trilhando para contribuir na mudança desse cenário de 67% dos concursos públicos brasileiros sem reserva de vagas para negros.

Ela exemplificou como boas práticas na temática a realização dos concursos dos Tribunais de Contas dos Estados de São Paulo (TCE-SP), Santa Catarina (TCE-SC) e Pará (TCE-PA) e do Tribunal de Contas dos Municípios do Pará (TCM-PA), sendo a primeira Corte de Contas do sistema a adotar 20% das vagas disponíveis no concurso público realizado em 2022.

A expressão “O elevador social está quebrado” marcou vários momentos da fala de Marcela, que mostrou diretrizes para a adoção de cotas raciais nos concursos públicos dos Tribunais de Contas, que devem enfrentar as desigualdades históricas e ter maior diversidade nos ambientes de trabalho, a fim de combater o racismo e a discriminação racial, com o apoio das legislações vigentes para a adoção de medidas de equidade racial dentro do serviço público brasileiro.

A auditora federal propôs três caminhos para mitigar a atual realidade ainda desigual quanto à presença de servidores públicos negros. São eles: a garantia de reserva de vagas não deve ser diluída ou fracionada por áreas específicas, atentar às cláusulas de barreira, como exigências que podem limitar o aceso de candidatos negros e a sensibilização institucional, com o reconhecimento interno das Cortes de Contas sobre a importância social e histórica do assunto.

Walkiria Machado Rodrigues Maciel
Auditora Fiscal de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC)

A representante do TCE-SC trouxe ao seminário a importante questão das comissões responsáveis pelos procedimentos de heteroidentificação, introduzidos como processos complementares à autodeclaração feita pelos candidatos autodeclarados negros em concursos públicos e outros processos seletivos que já contam com as ações afirmativas, a fim de evitar fraudes.

Segundo ela, a comissão de heteroidentificação deve fazer uma leitura do fenótipo dos candidatos, de acordo com o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010). “O racismo no Brasil é baseado nas características físicas que a população negra carrega. Portanto, as pessoas que se autodeclaram negras devem ser lidas socialmente como pessoas negras”, explicou a auditora.

Walkiria Machado Rodrigues Maciel detalhou ainda que o procedimento de heteroidentificação precisa seguir todo um rito, com emissão de ata e decisão, entre outros atos. Em caso de não reconhecimento da autodeclaração, é preciso que haja a devida fundamentação, com decisão tomada pela maioria da comissão. Ela também explicou que o procedimento é realizado presencialmente, e que a solicitação de vídeos e fotos constituem uma excepcionalidade, devido à possibilidade de fraudes.

Ao citar boas práticas e recomendações relativas ao tema, a especialista destacou a realização, pelos órgãos de controle, de censo funcional étnico-racial; a abordagem de tópicos sobre direito humanos e não discriminação nos próprios concursos públicos dos TCs; e a paridade de gênero e raça nas bancas de heteroidentificação.

Conselheiro Cezar Miola
Ouvidor do TCE-RS e Vice-Presidente de Relações Político-Institucionais da Atricon

O conselheiro fez questão de parabenizar o trabalho realizado pelas palestrantes, que estão atuando na construção de uma cartilha sobre o tema das Políticas Afirmativas de Equidade Racial nos Tribunais de Contas, bem como a atuação do Conselheiro João Antônio da Silva Filho (TCM-SP), Vice-Presidente de Defesa de Direitos e Prerrogativas e Assuntos Corporativos da Atricon.

“Esse é um trabalho que vem sendo construído, uma edificação marcada por muitas dificuldades, mas as fundações estão sendo colocadas com muita firmeza, estamos avançando, às vezes esse andar não é tão rápido quando gostaríamos, mas estamos caminhando, o que também é verdadeiro para o tema gênero”, afirmou Cezar Miola sobre o avanço do debate sobre a questão racial no âmbito dos TCs.

“Esse já é um trabalho que fica para a História do controle externo brasileiro. Nós precisamos dar o exemplo – e aqui temos um exemplo concreto nesse sentido”, concluiu o conselheiro.

O IX ENTC

O IX Encontro Nacional dos Tribunais de Contas (ENTC), que acontece até 14 de novembro, em Foz do Iguaçu (PR), reúne 2 mil participantes, entre conselheiros, ministros, auditores e especialistas do setor público. A programação do evento prevê 80 atividades, 84 palestrantes e discussões relevantes sobre a inovação no controle público, transparência e o fortalecimento dos órgãos de controle.

O evento é promovido pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon) em conjunto com o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), Instituto Rui Barbosa (IRB), Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas (CNPTC), Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios (Abracom) e Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros Substitutos dos Tribunais de Contas (Audicon).

O IX ENTC tem patrocínio da Cemig, Codemge, Itaipu, ABDI, Sanepar, BID, CNI, CFC, Abralegal, Geap Saúde e Editora Fórum. O Encontro conta com o apoio institucional dos Tribunais de Contas de Mato Grosso, Santa Catarina, Rondônia, Goiás, Rio Grande do Sul, ASUR, Ampcon, ANTC e CNPGC.

A cobertura completa, incluindo fotos e apresentações dos painelistas, estará disponível no site da Atricon e no site do IX ENTC, além de ser compartilhada no Flickr.

Serviço:
IX Encontro Nacional dos Tribunais de Contas
Data: 11 a 14 de novembro
Local: Foz do Iguaçu (PR)
Programação: https://entc2024.com.br/programacao
Cobertura: https://entc2024.com.br, https://atricon.org.br e www.flickr.com/atricon.

Texto: Marcelo Oliveira e Murilo Zardo
Foto: Marcelo Guazzi