A conferência de abertura do IX Encontro Nacional dos Tribunais de Contas (ENTC), realizada nesta quarta-feira (13), teve como tema “Desigualdade e Políticas Públicas no Brasil”. O pesquisador sênior da Columbia University, de Nova Iorque, Marcelo Medeiros Coelho de Souza foi o responsável por conduzir a apresentação.
Em sua fala, Souza propôs a criação de um Relatório de Impacto Social assim como o EIA/Rima (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental) em relação ao meio ambiente. O documento permitiria uma avaliação precisa dos reflexos das políticas públicas sobre os diversos grupos sociais, favorecendo ajustes para redirecioná-las. “Seria barato e ganharia em eficiência nos resultados”, considera ele.
Especialista em avaliação de políticas do Tribunal de Contas da União (TCU), Souza ressaltou que pensar políticas públicas no Brasil implica levar em conta algumas características. Segundo ele, a desigualdade está em tudo e todas as políticas têm impacto sobre a desigualdade e devem ter um desenho para atender diferenças de gênero, raça e regiões. “Temos de pensar quais são os mecanismos institucionais para reduzi-las”, afirmou.
O especialista também afirmou que políticas diferentes têm impactos diferentes sobre pessoas diferentes. De acordo com o professor e pesquisador, “ignorar isso é ignorar o objetivo fundamental das políticas e os princípios jurídicos inscritos na Constituição Federal”.
Para Souza, as políticas públicas no país padecem de algumas deficiências. Entre elas, a generalização. “O desenho de uma avaliação leva em consideração um indivíduo tipificado, segundo uma concepção prévia. Isso subestima o fato de que esse indivíduo não reflete a massa da população”, avalia. É importante ter uma abordagem diferenciada. “Importante entender que as pessoas não são afetadas da mesma maneira”, reforçou.
Outro dado que deve ser levado em consideração, segundo Souza, é o perfil social do Brasil e a desigualdade brasileira, que está no topo da pirâmide social. Ele apontou que o país é caracterizado por uma grande massa de pessoas de baixa renda “extremamente” homogênea. Esse grupo compõe entre 80 e 90% da população. Por outro lado, a elite, que integra dos 10% restantes, é muito diferente entre si.
“A primeira implicação desse fato é que qualquer subdivisão da grande massa é extremamente artificial”, observa. Traçar linhas de pobreza, portanto resulta no corte de uma massa que é homogênea entre si. “É praticamente impossível ver diferenças dentro do grupo. Diferença, de verdade, vai acontecer apenas entre os extremamente pobres e o restante desse contingente”, afirmou.
Para o professor disparidades existem e são mais evidentes entre os 10% mais ricos, que são diferenciados entre si e qualquer tentativa de agregação nesse grupo é extremamente artificial.
Outro dado que deve ser levado em conta na elaboração de políticas públicas no país é que o Brasil tem muita mobilidade social, mas curta, avalia Souza. Com isso, ele quer dizer que as pessoas saem da situação de “muito pobres” para “pobres” com muita facilidade, mas não conseguem saltar da condição de “pobres” para “ricas”. O mesmo acontece entre os 10% mais ricos.
Uma das implicações dessa característica é que a massa – cerca de 2/3 da população – não pode prescindir dos serviços públicos, especialmente educação e saúde. Elas não teriam renda suficiente para suprir essas necessidades. O mesmo vale para aposentadoria. Parte majoritária da população não teria recursos suficientes para prover o futuro. “Muitas vezes, é preciso escolher entre o futuro ou comprar um remédio para o filho”, ilustra Souza.
O professor e pesquisador também defendeu uma visão equilibrada quando o tema são valores investidos em relação aos resultados alcançados. “Existe muita discussão sobre benefícios, ignorando custos; e vice-versa. É ingênuo avaliar um em detrimento do outro”, considera. A articulação entre as duas dimensões é o princípio básico de qualquer discussão.
Souza destacou que identifica certo “populismo” e um certo “fiscalismo” exagerado nos debates. “Se cortar gastos, alguém perde com isso. Temos de olhar para o total de custos e o total de benefícios, o fundamental é olhar para a distribuição de ambos”, ponderou.
Outra variável a ser levada em consideração no desenho das políticas públicas é a noção de risco. Um deles seja o desvio de recursos financeiros. Para Souza, contudo, um dos mais graves é o da política pública não funcionar. “Toda política tem de ser tratada sob a ótica dos riscos, mas as pessoas não correm os riscos de fracasso ou sucesso da política da mesma maneira. O papel de um planejador é tratar da complexidade desses planejamentos”, concluiu.
O IX ENTC
O IX Encontro Nacional dos Tribunais de Contas (ENTC), que acontece até 14 de novembro, em Foz do Iguaçu (PR), reúne 2 mil participantes, entre conselheiros, ministros, auditores e especialistas do setor público. A programação do evento prevê 80 atividades, 84 palestrantes e discussões relevantes sobre a inovação no controle público, transparência e o fortalecimento dos órgãos de controle.
O evento é promovido pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon) em conjunto com o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), Instituto Rui Barbosa (IRB), Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas (CNPTC), Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios (Abracom) e Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros Substitutos dos Tribunais de Contas (Audicon).
O IX ENTC tem patrocínio da Cemig, Codemge, Itaipu, ABDI, Sanepar, BID, CNI, CFC, Abralegal, Geap Saúde e Editora Fórum. O Encontro conta com o apoio institucional dos Tribunais de Contas de Mato Grosso, Santa Catarina, Rondônia, Goiás, Rio Grande do Sul, ASUR, Ampcon, ANTC e CNPGC.
A cobertura completa, incluindo fotos e apresentações dos painelistas, estará disponível no site da Atricon e no site do IX ENTC, além de ser compartilhada no Flickr.
Serviço:
IX Encontro Nacional dos Tribunais de Contas
Data: 11 a 14 de novembro
Local: Foz do Iguaçu (PR)
Programação: https://entc2024.com.br/programacao
Cobertura: https://entc2024.com.br, https://atricon.org.br e www.flickr.com/atricon.
Texto: Omar Nasser Filho
Foto: Marcelo Guazzi