Mais um médico pelo Brasil
Inaldo da Paixão Santos Araújo
Mestre em Contabilidade. Conselheiro-corregedor do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, professor, escritor.
Difícil comentar o programa “Mais Médicos” sem ser da área. Principalmente em tão estranhos tempos trevosos. Muitos se insurgirão contra o que irei escrever neste espaço. Mas, como diz Belchior na canção “Apenas um Rapaz Latino Americano”, “sons, palavras, são navalhas, e eu não posso cantar como convém sem querer ferir ninguém”.
Segundo a enciclopédia livre Wikipédia, o “Mais Médicos” foi um programa federal lançado em 2013 com o objetivo de contratar médicos cubanos para “suprir a carência de médicos nos municípios do interior e nas periferias das grandes cidades do Brasil”. No final de 2018, Cuba retirou-se do programa, em face do anúncio, feito pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, de alterações na cooperação, incluindo o pagamento direto aos médicos e não por meio da Organização Pan-Americana da Saúde. Assim, cerca de 8.556 profissionais deixaram o programa.
Sem criticar qualquer posição, soou-me alvissareiro quando o sítio da BBC Brasil informou que, no final de 2019, “o Congresso aprovou a reintegração dos médicos cubanos que permaneceram no Brasil” no novo programa do governo federal “Médicos pelo Brasil”. A BBC informa que “os cubanos estão na expectativa de serem recontratados”. Eu também.
Mas “deixando a profundidade de lado”, somente para usar expressão consagrada por Belchior, em sua “Divina Comédia Humana”, rememoro que, não faz muito tempo, voltávamos (eu e o superintendente do Tribunal de Contas, José Raimundo) para o hotel em Curitiba, após um exaustivo dia de trabalho. No Uber, o sotaque do motorista era curioso. Uma breve conversa auditorial foi o suficiente para conhecer uma história.
Ali Hamed, o motorista, é um sírio refugiado e com união estável com uma brasileira. Ele graduou-se em medicina geral na Universidade de Kursk, na Rússia. É professor universitário com PhD. Fluente em árabe, russo, inglês e português e com básico em alemão, ele conseguiu, em caráter liminar (Mandado de Segurança n.º 5035954-58.2019.4.04.7000/PR), sua participação no “Mais Médicos ou outro que o suceda”. Mas, conforme relatou, a liminar não foi atendida pela União, em face da necessidade do revalida.
O sírio indagou se no Nordeste do Brasil ele teria mais chance. Como bom auditor, José Raimundo apresentou-lhe outras questões. O sírio garantiu que teria como comprovar tudo.
Comovidos ficamos.
Após José Raimundo tanto me lembrar, resolvi dar a público esse relato, principalmente diante desse quadro de emergência – e de tantas incompreensões – que, infelizmente, estamos enfrentando na nossa “divina comédia” real.
Se o Governo Federal vai autorizar a recontratação dos cubanos, mesmo sem o revalida, o sírio uberista perdido nas noites de Curitiba, nada obstante seus predicados, não poderia fazer parte desse grupo? Já que não temos mais “Mais Médicos”, Ali Hamed não poderia ser mais um médico pelo Brasil?