Com uma mensagem de preocupação, mas de confiança no futuro do Brasil, o escritor moçambicano Mia Couto proferiu a conferência de abertura do 29º Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil, que está sendo realizado de hoje (22/nov) até sexta-feira, na sede do TCE-GO, em Goiânia. Considerado um dos mais influentes escritores de língua portuguesa, Mia citou o símbolo do evento, o ipê, como uma metáfora da própria vida, por sua resistência às adversidades.
Ele elogiou a escolha de um escritor para falar no evento. “Os tribunais de contas já conhecem os seus desafios e os caminhos a trilhar e para isso promovem encontros como este, reforçando o debate interno. E fazem bem ao buscar caminhos ainda mais produtivos, saindo de suas paredes ao incluir na discussão pessoas como eu, que aparentemente não tem nada a ver com o controle. É um investimento para superar a adversidade”.
O moçambicano disse sentir-se brasileiro, dizendo que sua infância foi povoada pelas canções e poemas do país, citando autores nacionais diversos, inclusive a goiana Cora Coralina. Ele ressaltou a influência do Brasil e do que acontece no país para a construção de diferentes identidades ao redor do mundo. “O brasileiro não se dá conta dessa liderança e, com isso desconhece o que se passa nesses países irmãos, inclusive nos da África. Não sabe sequer a África que tem dentro de si”, disse.
Politizado, Mia fez questão de destacar as enormes desigualdades sociais, dificuldades econômicas e discriminação racial e social vivenciadas na atualidade. “Apesar de tudo, o Brasil produz em mim um poder de sedução que só tem uma explicação: os brasileiros”. Para ele, o brasileiro é um ser solidário, com aptidão para construir diálogos, capacidade de transformar tudo em humor e de produzir histórias de vida.
Mia confessou que tem medo quanto ao que está acontecendo no Brasil diante da crise econômica e política, citando como pior consequência a divisão das pessoas em polos distintos. “O que era diverso passou a ser antagônico, o que era conversa passou a ser divergência”, constatou.
Sobre a corrupção, ele analisa que “quando ninguém é inocente, deixa-se de ver irregularidades, deixa-se de ver crimes e banaliza-se a corrupção”. Quanto às investigações que estão ocorrendo, o escritor não poupa críticas: “o que era para ser um processo legal virou um espetáculo”.
Mia alertou para o perigo do discurso de que há uma crise apocalíptica, irremediável. “Esse é um caminho para quem incentiva o surgimento de um ‘salvador’ e que preconiza um regime de exceção para dispensar a democracia”.
Mia Couto é o pseudônimo de António Emílio Leite Couto, um dos principais autores de língua portuguesa da atualidade, vencedor de diversos prêmios literários, incluindo o Camões e o Neustadt, considerado o Nobel americano.